Passos Coelho acumulou dívidas à Segurança Social durante cinco anos

Primeiro-ministro afirma que nunca foi notificado da dívida, criada entre 1999 e 2004, e que ela prescreveu em 2009, facto de que diz ter tomado conhecimento em 2012. Apesar disso adianta que pagou já este mês, voluntariamente, cerca de 4 mil euros, depois de ser questionado pelo PÚBLICO.

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Daniel Rocha

Nessa altura, em 2007, ganhava mensalmente 7.975 euros de remuneração base como administrador das empresas Gestejo, Ribtejo e Tejo Ambiente, do grupo Fomentinvest, liderado por  Ângelo Correia. E, segundo disse esta semana ao PÚBLICO, nunca foi notificado pela Segurança Social de que se encontrava entre os devedores.

No entanto, entre o dia em que terminou o seu mandato de deputado, em Outubro de 1999, e Setembro de 2004, data em que recomeçou a descontar como trabalhador por contra de outrém, no grupo Fomentinvest, o então consultor da Tecnoforma não pagou quaisquer contribuições para a Segurança Social. Nesse período, além da Tecnoforma, onde era responsável pela área da formação profissional nas autarquias e auferia 2500 euros por mês mediante a emissão de recibos verdes, trabalhava também, sujeito ao mesmo regime, na empresa LDN e na associação URBE.

Nos dois primeiros anos em questão foi igualmente dirigente do Centro Português para a Cooperação, organização não-governamental financiada pela Tecnoforma. Foi esta organização que esteve, em Outubro passado, no centro de uma controvérsia sobre o carácter remunerado ou não das funções que Passos Coelho aí exerceu, e sobre uma fraude fiscal que então teria praticado no caso de ter sido remunerado, como alegavam as denúncias então surgidas e por si desmentidas.

Números divergentes
A obrigação que Passos Coelho tinha, entre 1999 e 2004, de pagar à Segurança Social uma quotização mensal equivalente a 25,40% do salário mínimo nacional — valor que oscilou entre os 77 e os 92 euros nos cinco anos em causa — resultava do decreto-lei 240/96, então em vigor, que estabelecia o regime de segurança social dos trabalhadores independentes. Passos tinha apresentado a sua declaração de início de actividade como trabalhador independente em 1 de Julho de 1996, quando era deputado na Assembleia da República, por ter começado a colaborar, a título remunerado, com alguns órgãos de comunicação social.

Nos três anos seguintes, até Outubro de 1999, os seus descontos para a Segurança Social continuaram a ser efectuados pela Assembleia da República, pelo que ficou automaticamente isento da obrigação de contribuir como trabalhador independente. Ao cessar as funções de deputado ficou, no entanto, sujeito ao pagamento da contribuição mensal dos trabalhadores independentes.

De acordo com os dados recolhidos pelo PÚBLICO, essas contribuições não foram pagas na altura própria, atingindo a dívida o valor de 5016 euros em Setembro de 2004, data em que passou a descontar através de algumas das empresas de que se tornou administrador. A esse montante acresciam ainda os juros de mora, que perfaziam 2413 euros em meados de 2013, num total em dívida de 7430 euros.

Contudo, Passos Coelho disse ao PÚBLICO esta semana que, segundo os dados que a Segurança Social lhe forneceu em 2012 e confirmou no fim do mês passado, a dívida que tinha acumulado até ao final de 2004 era de 2880 euros. A esta dívida acresciam juros de mora no valor de 1034,48 euros.

Quando as notificações deste género de dívidas começaram a chegar a casa dos contribuintes em 2007, o pânico atingiu milhares de trabalhadores independentes, sobretudo jovens pagos mediante falsos recibos verdes. No site do movimento FERVE - Fartas/os d’Estes Recibos Verdes, então criado, encontram-se ainda numerosos testemunhos de contribuintes que se viram confrontados com essa situação e até com ameaças de penhoras. O tema estava na ordem do dia, com debates, manifestações, blogues e uma petição à Assembleia da República, lançada em 2009, que reuniu 12 mil assinaturas.

Alguns dos devedores conseguiram ajuda das famílias e de amigos para pagar as somas exigidas pelo Estado, a pronto ou a prestações, enquanto outros contestaram as dívidas alegando a sua prescrição. Outros ainda, assustados com o que estava a acontecer e com o que liam nos jornais, passaram dias nas filas da Segurança Social a tentar saber se deviam alguma coisa e como é que haviam de resolver o problema.

Passos foi informado em 2012
Passos Coelho, todavia, nunca tomou qualquer iniciativa, conforme se depreende do email que o seu gabinete fez chegar ao PÚBLICO no início desta semana, em resposta a perguntas que lhe foram dirigidas a 29 de Janeiro. “O primeiro-ministro nunca teve conhecimento de qualquer notificação que lhe tenha sido dirigida dando-lhe conta de uma dívida à Segurança Social referente ao período em que exerceu a actividade de trabalhador independente, pelo que desconhecia a sua eventual existência”, lê-se na resposta.

O primeiro-ministro explica que, já em 2012, depois de estar a chefiar o Governo há cerca de um ano, foi confrontado — não dizendo por quem — com dúvidas sobre a regularidade da sua situação contributiva. Nessa altura, acrescenta, questionou o Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, tendo-lhe sido respondido que “estava registada a quantia de 2880,26 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor”.

Independentemente do facto de a referida quantia corresponder aproximadamente à dívida que tinha em Agosto de 2002 — segundo os documentos obtidos pelo PÚBLICO — e não incluir a que foi gerada desde essa data até Setembro de 2004 (atingindo o total de 5016 euros), a resposta do gabinete do primeiro-ministro confirma que, pelo menos entre 1999 e o Verão de 2002, Passos Coelho nada pagou à Segurança Social.

O primeiro-ministro diz também que a informação oficial que lhe foi fornecida em 2012 indica que os referidos 2880,26 euros, mais os juros, poderiam ser pagos “a título voluntário e a qualquer momento para efeito de constituição de direitos futuros, desde que o contribuinte não optasse por invocar a sua prescrição, a qual já ocorrera em 2009”.

Perante esta informação, Passos também nada fez, explicando agora que pretendia “exercer o direito, que  a lei lhe reconhece, de contribuir voluntariamente para a sua carreira contributiva”, mas “apenas em momento posterior ao do exercício do actual mandato”.

No entanto, acrescenta, face às perguntas do PÚBLICO, “decidiu proceder desde já ao pagamento daquele montante, pretendendo assim pôr termo às acusações infundadas sobre a sua situação contributiva”. A resposta do gabinete diz que a decisão de pagar agora o valor de 2880,26 euros, acrescido de 1034,48 euros de juros foi tomada por Passos Coelho apesar de a obrigação de o fazer “se encontrar prescrita, logo, de não ser legalmente exigível a qualquer contribuinte nas mesmas circunstâncias”.

O primeiro-ministro diz ainda que a Segurança Social o informou em 2012 de que a sua situação “não era diferente da de mais de 107 mil portugueses, igualmente trabalhadores independentes, os quais terão sido alegadamente notificados por carta simples em Junho de 2007 para proceder ao pagamento de contribuições em falta”. A resposta adianta que, “atendendo ao elevado número de reclamações, em grande parte suscitadas pelo modo de notificação adoptado, a Segurança Social entendeu à época não participar os pagamentos em falta para efeito de cobrança coerciva, facto que não foi comunicado aos referidos contribuintes”.

Uma pergunta sem resposta
Confrontado com o facto de os documentos da Segurança Social obtidos pelo PÚBLICO referirem que Passos Coelho tinha uma dívida de contribuições e juros de mora substancialmente superior àquela que ele refere, o gabinete do primeiro-ministro reiterou que os dados que lhe foram transmitidos em 2012 e 2015, “em resposta a requerimentos” seus, indicam que “a quantia registada era de 2880,26 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor”.

O PÚBLICO perguntou também ao primeiro-ministro se “tinha conhecimento de que o facto de estar colectado como trabalhador independente o obrigava a pagar mensalmente uma contribuição à Segurança Social desde a data em que deixou a Assembleia da República, em Outubro de 1999”. Na primeira resposta nada foi transmitido sobre esta matéria, razão pela qual a questão foi recolocada. Na nova resposta lê-se apenas: “Quanto ao mais, o primeiro-ministro já prestou as informações detalhadas que entendeu oportunas.”

Quando deixou os lugares que ocupava nas empresas do grupo Fomentinvest, em Março de 2010, Pedro Passos Coelho continuou a descontar para a Segurança Social como trabalhador por contra de outrém, mas agora através do Partido Social Democrata, onde passou a auferir a remuneração base de 7477 euros mensais, como presidente do partido, até entrar para o Governo. Nesse ano, o Presidente da República recebia 7249 euros por mês.

Nas respostas que enviou ao PÚBLICO, o primeiro-ministro “manifesta sua perplexidade para a circunstância de terceiros estarem alegadamente na posse de dados pessoais e sigilosos relativos à sua carreira contributiva, os quais nunca lhe foram oportunamente transmitidos pelas vias oficiais”. Com Cristina Ferreira

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