Tribunal de Braga anula multas de portagens, fisco admite recorrer

Decisão pode aplicar-se a milhares de processos que estão nos tribunais, defendem advogados. Providência cautelar avança na próxima semana.

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A Associação Portuguesa de Direito do Consumo contesta a desproporcionalidade das coimas Adriano Miranda

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu várias sentenças, em processos de contra-ordenação por falta de pagamento de portagens, a favor de particulares e empresas e contra a administração fiscal. A autoridade tributária pondera agora recorrer para instâncias judiciais superiores.

As decisões do tribunal de primeira instância – algumas das quais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, se o valor da contra-ordenação for superior a 1250 euros, e para o Supremo Tribunal Administrativo, se ultrapassar os 30 mil euros –, estão a assentar em vícios formais, como a não identificação dos condutores, entre outros aspectos de incumprimentos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

O sentido das decisões, avançadas esta quarta-feira pelo Jornal de Notícias e pelo Correio da Manhã, podem agora ser replicadas em milhares de processos de contra-ordenação existentes nos tribunais portugueses, admitem ao PÚBLICO os advogados João Magalhães e Pedro Marinho Falcão, ambos com decisões favoráveis sobre esta matéria.

Em resposta a questões do PÚBLICO, o Ministério das Finanças adiantou, através do seu gabinete de imprensa, que, “por não concordar com o teor da decisão, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) está a ponderar recorrer da mesma para os tribunais superiores”.

Se a administração tributária não conseguir reverter o sentido destas decisões – algumas das quais não são recorríveis para tribunais superiores em face do valor da acção em causa – o efeito prático destas sentenças pode ser muito amplo.

É que o actual sistema de cobrança de portagens (tradicional e através dos pórticos) não permite a identificação do condutor, mas apenas a da matrícula do veículo, a partir da qual é identificado o proprietário e não o condutor do veículo no momento da infracção.

Até ao momento, não são conhecidas decisões dos tribunais fiscais, em processos de recurso judicial de contra-ordenações por falta de pagamento de portagens, que versem sobre a legitimidade ou não da administração fiscal para instalar os processos de contra-ordenação e avançar para a cobrança coerciva dos valores – uma tarefa da AT que o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) contesta.

O escritório de advogados de João Magalhães pretende avançar até Fevereiro com uma acção popular a pedir a ilegitimidade da actuação da administração tributária para desencadear processos de contra-ordenação e de execução fiscal em matéria de portagens. 

Neste momento são conhecidas oito decisões no mesmo sentido, sete das quais do escritório João Magalhães, de Braga, avançou ao PÚBLICO a jurista Sandra Machado. Aquele escritório bracarense tem em mãos 800 processos, 300 deles de um só cliente, adiantou a advogada.

Pedro Marinho Falcão é outro advogado com uma decisão favorável do tribunal administrativo de Braga. Em declarações ao PÚBLICO, defende que ainda é cedo para falar em jurisprudência, mas sustenta que “o vício formal verifica-se em todas os processos de contra-ordenação instaurados pela administração tributária”.

“O modelo utilizado pela AT não cumpre o estipulado no RGIT e, se esse mesmo modelo é utilizado em todos os processos abertos, isso significa que todos os processos instaurados pela AT podem ser anuláveis”, adianta o advogado, que tem em mãos mais de 200 processos de impugnação judicial, no valor de mais de 100 mil euros de coimas.

Algumas das sentenças do referido tribunal, a que o PÚBLICO teve acesso, assentam na não identificação do infractor e eventuais comparticipantes, como consta do artigo 63 e 79º, nº1 do RGIT. Assentam ainda no facto das decisões da autoridade tributária serem completamente “omissas quanto à referência da moldura contra-ordenacional, abstractamente aplicável”.

Também Samuel Fernandes de Almeida, especialista em direito fiscal na sociedade Miranda Correia Amendoeira & Associados, sublinha que, a admitir-se que a decisão do tribunal de Braga “se fundamentou na falta de verificação dos requisitos formais e materiais da decisão de aplicação da coima”, é possível que “todas as decisões proferidas pela AT em matéria de portagens serão anuláveis com base neste argumento”.

A (des)proporcionalidade
Outra questão que pode ser invocada, diz Samuel Fernandes de Almeida, tem a ver com a violação do princípio da proporcionalidade das coimas e a “circunstância de muitas vezes estarmos perante infracções continuadas que dariam lugar à aplicação de uma única coima”.

Isto porque cada portagem não paga pelo contribuinte, mesmo que tenha ocorrido no mesmo dia ou com pouca diferença de horas, dá origem a um processo autónomo, cada um tendo associado um custo administrativo e a respectiva coima, o que faz disparar o valor a pagar (o pedido de nulidade é igualmente de ser feito em separado).

À parte das decisões concretas do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga agora conhecidas, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, chama igualmente a atenção para aquilo que diz ser a desproporcionalidade das multas aplicadas relativamente ao valor da taxa de portagem em falta que deu origem à coima.

A Associação Portuguesa de Direito do Consumo adiantou que vai apresentar uma providência cautelar na próxima semana. À Antena 1, o presidente da associação, Mário Frota, considerou que “a afronta aos princípios constitucionais é permanente – há gente com centenas, milhares de euros por coisas, dir-se-ia, de lana caprina”.

O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos contesta também o facto de a administração fiscal ter assumido a partir de 2012 a competência directa pela instauração do processo de contra-ordenação relativo a taxas que são devidas às operadoras das auto-estradas. No modelo anterior, o fisco recebia apenas as cartas precatórias para a cobrança dos valores em processo executivo, sendo a intervenção do fisco apenas requerida no final da execução fiscal da dívida. O que acontece, descreve o presidente do STI Paulo Ralha, é que há “uma entidade pública a tratar de dívidas que são de uma entidade privada”, algo que Paulo Ralha considera “altamente controverso do ponto de vista do funcionamento do Estado”, para além do facto de o novo modelo obrigar a Autoridade Tributária e Aduaneira a mobilizar um grande número de funcionários para a cobrança de portagens.

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