Katniss e os Guardiões da Galáxia não chegaram para bater o Homem de Ferro
2014 foi o ano em que houve menos espectadores nos cinemas dos EUA nas últimas duas décadas. Com cada vez menos audiência nos cinemas, Portugal arrisca-se a agravar o pior número dos últimos dez anos.
O maior mercado cinematográfico do mundo, os EUA, conseguiu em 2014 receitas brutas de bilheteira de 10,3 mil milhões de dólares (8,5 mil milhões de euros), seguido cada vez mais de perto pela China, que no ano passado recolheu 3,94 mil milhões de euros de vendas de ingressos para ver cinema. Os números ainda são provisórios, mas a imprensa especializada norte-americana faz já as contas ao número previsto e lembra que esta será a maior queda de um ano para o outro em nove anos.
Foram 1,26 mil milhões o número de pessoas nos EUA encheram as salas para ver Guardiões da Galáxia, The Hunger Games: A Revolta - Parte 1, Capitão América: O Soldado do Inverno e O Filme Lego, apesar de a cifra representar uma quebra de 6% em relação a 2013 e o valor mais baixo em cerca de duas décadas. Em 1995, 1,21 mil milhões de americanos foram ao cinema e o número tem-se mantido desde então acima dos 1,3 mil milhões, salvo quando, em 2011, caiu para 1,28 mil milhões de espectadores.
Àqueles filmes mais populares juntam-se Transformers: Era da Extinção, a Maléfica de Angelina Jolie, o filão X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido e mais um Planeta dos Macacos: A Revolta, encerrando-se o top ten com Big Hero 6 e O Fantástico Homem-Aranha 2. Uma lista que, como de costume, se ergue sobre uma pilha de blockbusters, animação, fantasia e muitos franchises constantemente em crescimento ou reinvenção. E que se tem pautado por alguma instabilidade também nas contas dos lucros devido à popularidade do 3D e sua influência na subida dos preços dos bilhetes.
Contudo, se em 2013 se bateram recordes nos EUA que pareciam dar à indústria uma folga perante o agigantar da China, 2014 foi “o ano mais estupefactivo de sempre” para o analista Paul Dergarabedian, da Rentrak, citado pela revista Variety.
Se nenhum destes filmes teve tão bons resultados no mercado doméstico quanto os seus companheiros de prateleira blockbuster em 2013, conseguiram ainda assim acumular milhares de milhões no box-office estrangeiro – The Hunger Games: A Revolta - Parte 1 é por exemplo o filme mais visto do ano em Portugal (dados até 24 de Dezembro), onde obteve 1,6 milhões de euros de receitas e foi visto por mais de 326 mil espectadores. Mas não atingiram os resultados dos seus antecessores de franchise, com Katniss Everdeen a regressar para a primeira parte da sua ronda final nos Jogos da Fome com menos cem milhões nas bilheteiras do que Em Chamas, de 2013. “Talvez seja fadiga de franchise”, arrisca o responsável pela distribuição da Warne, Dan Fellman, na Variety, mas quando olhamos para êxitos como Em Parte Incerta e O Filme Lego [a verdade é que] eles ofereceram algo de novo”.
A revista salienta ainda que os números de 2014, que sendo positivos representam ainda assim uma quebra na ressaca dos recordes de 2013, podem ser um problema de futuro: o das novas gerações de espectadores. A cobiçada faixa etária dos millennials, neste caso os jovens dos 12 aos 24 anos, viu menos 15% de filmes do que no ano anterior, diz a Nielsen, número que já vinha a cair em 2013. Para aqueles que têm tantos ecrãs diferentes ao seu alcance, “entretenimento instantâneo, ir ao cinema não é isso. Está a tentar apanhar o comboio”, postula o analista de bilheteiras Jeff Bock, da Exhibitor Relations.
E do outro lado do mundo está a China, onde abriram 15 novos ecrãs por dia em 2014 e cujas receitas de bilheteira, apesar de divididas com Hollywood, são em muito alimentadas pela produção própria. Lá há agora 23.600 cinemas e o filme mais visto de 2014 foi Transformers: Era da Extinção, segundo o site Box Office Mojo.
Portugal em baixa
Já o mercado cinematográfico português, que desliza em receitas de bilheteira, número de ecrãs e na produção própria nos últimos anos, teve em 2013 um ano negro quando só conseguiu atrair 12,5 milhões de espectadores às salas – o número mais baixo da última década. A poucos dias de terminar 2014, faltava um milhão de espectadores para atingir pelo menos esse pico negativo.
Em 2014, e segundo dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), até ao último dia de Novembro foram ao cinema 10,5 milhões de espectadores; em 2013 na mesma altura o número ascendia aos 11 milhões. O ICA ainda não divulgou os números finais de 2014, mas as contas feitas pelo PÚBLICO já incluindo as primeiras três semanas de Dezembro mostram que até à véspera de Natal se venderam 11,5 milhões de ingressos, restando assim uma semana para recuperar pelo menos um milhão de espectadores e para deixar para trás o recorde negativo de 2013. Até à véspera de Natal, os filmes mais vistos do ano em Portugal foram The Hunger Games: A Revolta - Parte 1, Lucy, Rio 2, Interstellar e O Lobo de Wall Street.
Também até Novembro, a receita de bilheteira foi de 55 milhões de euros (em comparação com os 57,4 milhões de 2013), sendo que as primeiras três semanas de Dezembro trouxeram mais 4,99 milhões de euros de receitas o que perfaz um total de 59,9 milhões de euros de vendas de bilhetes. Em 2013, os números totais do ano ascenderam aos 65,4 milhões de euros.
Cinema para as massas
A ideia de “acontecimento” é discutida no sector televisivo e cinematográfico há anos, sobretudo perante factores como a pirataria, a globalização e a disponibilização de produtos seriais em pacote em streaming. Um filme ou um episódio-acontecimento é imperdível, irrepetível e imediato. São exemplos a noite dos Óscares ou o final de uma série popular como The Walking Dead, a concorrência de formatos quase cinematográficos como True Detective a passar na televisão ou a fome planetária por Guerra dos Tronos, bem como a estreia do filme final da saga Harry Potter (o filme mais visto em 2011).
Ou, neste longo ano galáctico que começou em Novembro de 2014 e que só terminará em Dezembro de 2015, a estreia do sétimo episódio de Guerra das Estrelas.
É para aí que pode apontar o futuro, como mostrou um teaser de 88 segundos que nem é ainda um trailer lançado em Novembro mas que mantém um título na conversa social durante meses. “Quando se trata de vender ou posicionar um filme, o sucesso ou falhanço dessa primeira imagem e desse primeiro teaser é mais importante do que quase tudo o resto”, defende Greg Foster, CEO da Imax, sobre a importância de continuar a lutar pela relevância da experiência cinematográfica de massas.
Star Wars – The Force Awakens é apontado como o acontecimento de cinema deste ano de 2015, mas surgirá no último de 12 meses em que, para quem está a olhar apenas para a contabilidade, haverá outros motivos para acreditar que os recordes voltarão a ser batidos e que se ultrapassará a marca dos 11 mil milhões de dólares de bilheteira: o último Hunger Games (Novembro), o segundo Vingadores (Maio), mais um Bond (Novembro) e a adaptação de Cinquenta sombras de Grey (Fevereiro).