Angelina Jolie é “uma fedelha mimada” e outras revelações do ataque à Sony

Uma das majors está em crise: um ataque informático sem precedentes revelou dinheiros, críticas internas e segredos que prometem alterar as relações de poder em Hollywood.

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Seth Rogen e James Franco em The Interview DR
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Angelina Jolie Eric Gaillard/Reuters

Valor de ordenados, filmes por estrear, muito fel sobre actores, financiadores e projectos. Tudo isto foi parar à Internet nas últimas semanas, esvaindo-se da Sony Pictures para o mundo como uma ferida que teima em não fechar. Esta semana foi a vez de sabermos as opiniões de produtores e realizadores sobre Angelina Jolie – “uma fedelha mimada com talento mínimo” – ou o nome que Tom Hanks usa quando quer passar despercebido – Johnny Madrid. Um escândalo na maior indústria cinematográfica do mundo, e a dimensão dos estragos humanos e financeiros em Hollywood ainda está por apurar.

A opinião do realizador David Fincher sobre o jovem actor Adam Driver – “uma ideia horrível” para vilão no próximo Guerra das Estrelas. A opinião do produtor Scott Rudin sobre Angelina Jolie – a "fedelha mimada" de parco talento que estaria a pressionar a presidente da Sony para ter Fincher no seu próximo projecto, Cleópatra, ao invés de o ver no novo biopic de Steve Jobs. O filme cujo projecto foi tão tumultuoso que passou para a Universal já com Michael Fassbender no papel principal – cujo pénis “simplesmente nos faz sentir mal por ter órgãos sexuais masculinos normais”, diz Michael DeLuca, presidente de produção na Columbia nestes emails agora tornados públicos. São estas algumas das revelações de terça-feira, feitas primeiro nos sites de mexericos Gawker e Defamer e depois engrossadas pelos restantes media, fruto da fuga de informação maciça provocada por piratas informáticos numa das majors norte-americanas.

A troca de emails entre Scott Rudin, o poderoso produtor por trás de Este País Não É para VelhosHaverá Sangue ou A Rede Social, e Amy Pascal, co-presidente da Sony, mereceu na terça-feira destaque da revista especializada Variety, que a considera “uma troca suja” sobre “figuras-chave da indústria” e que advinha que “relações cruciais” no sector fiquem deterioradas para sempre. São nove meses de emails sobre o filme sobre a vida do fundador da Apple, Steve Jobs, em que se fica a saber que, além de Bale e DiCaprio, também Tom Cruise esteve na lista dos potenciais protagonistas.

Angelina Jolie, por seu turno, terá então tentado que David Fincher dirigisse o seu remake de Cleópatra ao invés daquele biopic. “É bom que pares a Angie antes que ela torne muito difícil que o David faça o Jobs”, escreveu Amy Pascal a Rudin, que por seu turno desprezou o projecto de Jolie. “Não estou interessado em presidir a um banho de ego de 180 milhões que ambos sabemos que será o desastre definidor das nossas duas carreiras”, lê-se num dos emails de Rudin, que acrescenta que Jolie “é uma celebridade e só isso” e que critica ainda Pascal – que, por seu turno, recomenda que o estúdio se “livre dele” num outro email para um colega.

Desta fuga soube-se também que Jessica Alba escolhe como pseudónimo para viajar o nome de Cash Money ou que a limusine que levou Tom Hanks aos prémios da Guilda de Actores de 2014 custou mil dólares. Soube-se o número de segurança social de Sylvester Stallone e o do realizador e produtor Judd Apatow, o número de telemóvel do assistente de Brad Pitt e escaparam-se para a web os guiões de vários filmes por estrear da Sony, incluindo Goosebumps, com Jack Black, ou Sausage Party, de Seth Rogen.

Vieram a público dados sobre a popularidade de certos actores em certos países (Will Ferrell é grande na Austrália, por exemplo) e sobre a rentabilidade esperada de filmes conforme os seus protagonistas (o biopic de Steve Jobs iria correr muito melhor se Leonardo DiCaprio não tivesse sido substituído por Christian Bale, quando este ainda estava na Sony). E está na Internet o conteúdo de emails internos de empregados do estúdio em que se critica o tipo de projectos que a Sony maioritariamente faz, como “os filmes estereotipados e banais de Adam Sandler”. Estereotipado é também o rol de pagamentos dos principais executivos do estúdio, que só têm uma mulher entre os 16 homens brancos que ganham mais de um milhão de dólares por ano. Fica-se também a saber que quase houve Homem-Aranha no terceiro Capitão América (2016), como escreveu o Wall Street Journal, e que foram problemas financeiros que deitaram por terra o biopic de Jobs na Sony.

Neste ataque sem precedentes a uma empresa do sector, e que de acordo com o site Mashable foi precedido por exigências de dinheiro, foram roubadas grandes quantidades de dados, outros tantos foram eliminados e todos os computadores da Sony ficaram inoperacionais cerca de uma semana. Entre as centenas de gigabytes de informação revelada pelos hackers que se apresentam como #GOP, ou Guardians of Peace, há ainda notas sobre Elysium (2013), de Neil Blomkamp, em que se lê que o filme deve “evitar temas sociopolíticos”, ou a admissão de que o filme baseado no jogo Angry Birds, previsto para lançamento da Sony em 2016, “é visto como não tendo boas histórias”.

O protagonismo da Coreia do Norte
Desde dia 24 de Novembro, a Sony está sob ataque. E, consequentemente, diz a imprensa norte-americana, a empresa está em estado de sítio e Hollywood em suspenso. Os filmes Annie, Still Alice, Mr. Turner e To Write Love on Her Arms, alguns por estrear, aparecem em sites de partilha de ficheiros no dia 25 e o sistema informático da empresa continua congelado até 1 de Dezembro – o dia em que começam a conhecer-se os ordenados dos responsáveis de topo da Sony.

Também se tornaram de domínio público os orçamentos de filmes, os ordenados dos actores e realizadores, contas bancárias de empregados e empresas ou passwords. As moradas de email de actores como Seth Rogen, as moradas de casa de actores como Jesse Eisenberg, quanto recebeu Rogen por The Interview (mais do que o que a Sony pagou a Franco, mas Rogen é também co-realizador), tudo foi pingando ao longo dos últimos dias.

A associação entre o ataque à Sony e a Coreia do Norte ganhou força na semana passada e explica em parte por que é que o nome de Seth Rogen é um dos mais mencionados nesta história. O regime de Pyongyang está descontente com o filme The Interview, uma comédia com Seth Rogen e James Franco, em que estes são jornalistas recrutados pela CIA para matar Kim Jong-un e que tem estreia agendada para o dia de Natal (em Portugal está prevista a sua estreia a 29 de Janeiro sob o título Uma Entrevista de Loucos). Em Junho a Coreia do Norte prometera “contramedidas decisivas e sem misericórdia”, se o filme fosse lançado – o Governo de Pyongyang escreveu-o numa carta ao secretário-geral da ONU em que classificava The Interview como “patrocínio não disfarçado de terrorismo, bem como um acto de guerra”.

A 2 de Dezembro, um dia depois de o FBI ter lançado uma investigação ao ataque informático, as autoridades norte-coreanas dizem que será preciso “esperar para ver” se têm algo a ver com o caso. Passados mais dois dias, são conhecidos os primeiros números sobre projectos específicos – o orçamento e salários de The Interview, seguidos pela negação por parte de um diplomata da Coreia do Norte de que o seu país esteja relacionado com o hack. Dia 5, mais dados financeiros, desta feita sobre Isto É o Fim!, também protagonizado por Rogen e Franco. Os dois brincam com o assunto no programa Saturday Night Live de dia 6.

Nesse mesmo sábado, dia 6, a Comissão de Defesa Nacional norte-coreana nega a autoria do ataque informático que classifica como um “acto justo” e domingo começam a surgir notícias sobre o grupo de hackers DarkSeoul, que terá ligações ao regime norte-coreano. Esta segunda-feira, os Guardians of Peace voltaram a exigir que The Interview, “o filme de terrorismo”, não fosse lançado.

O FBI nega que até agora o ataque tenha sido atribuído à Coreia do Norte. A agência de notícias Reuters cita peritos que analisaram o software usado no ataque e que indicam que é provável que o ataque tenha vindo de hackers norte-coreanos, bem como fontes de investigação da própria Sony e de Washington que continuam a dizer que os principais suspeitos serão oriundos daquele país.

O conta-gotas contínuo de informação interna da Sony mantém o nome da empresa nos media e a sensação de insegurança no sector e no estúdio. A revelação da correspondência entre executivos e produtores, realizadores e funcionários do estúdio aumentou o potencial de desconforto entre os players do sector e de consequências negativas de médio ou longo prazo para o estúdio. 

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