O financiamento da reabilitação urbana

Portugal esgotou, nos anos recentes, todos os fundos para infraestruturas comunitariamente disponíveis e ganhou uma péssima reputação em Bruxelas quanto ao modo como os aplicou.

Escreveu há pouco tempo o eng. Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário, neste mesmo jornal, que o Orçamento para 2015 é “completamente omisso em relação à reabilitação urbana, a qual constitui, nas palavras do próprio Governo, um vetor incontornável para o desenvolvimento sustentado”. Tem razão. Mas, para além da omissão no Orçamento, também há uma preocupante omissão no âmbito do próximo QREN, agora designado Acordo de Parceria 2014-2020.

No contexto do Acordo de Parceria, é necessário ter presente o seguinte facto incontornável: com exceção das obras marítimas ou ferroviárias, que ficaram por fazer, Portugal esgotou, nos anos recentes, todos os fundos para infraestruturas comunitariamente disponíveis e ganhou uma péssima reputação em Bruxelas quanto ao modo como os aplicou. A União Europeia considera que, para Portugal, os fundos para infraestruturas, simplesmente, terminaram.

Nestas condições, é muito otimista prever qualquer boom de construção no âmbito da reabilitação dos edifícios degradados, porque para tanto seria necessário: ou a capitalização das empresas de construção e dos proprietários de imóveis, ou o financiamento de exclusiva origem no Orçamento português e nas instituições de crédito nacionais. Ora, nem uma coisa nem outra existem. Escasseando o dinheiro e o crédito na economia portuguesa, há que contar quase, exclusivamente, com o apoio comunitário. Vejamos então o que nos traz o Acordo de Parceria 2014-2020.

O Quadro de Instrumentos de Financiamento – nesta atividade de reabilitação apenas contém, de forma expressa e explícita, a canalização de apoios para a eficiência energética em edifícios. No Programa Operacional (PO) Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, revê-se, no âmbito do modelo dos apoios financeiros, não só a desagregação entre edifícios públicos e habitação, como também entre habitação e habitação social. A parte pública, claro, fica com o bolo de financiamento quase todo…

No que respeita à eficiência energética no sector da habitação, esta abrangerá transversalmente o sector, estando também aqui prevista a existência de dois vetores, sendo que o primeiro terá como objeto exclusivamente a habitação social (só nestes casos, os apoios à eficiência energética assumirão a modalidade de fundo perdido) e serão mobilizados no âmbito dos PO regionais. O segundo vetor está reservado a promotores particulares, sendo os apoios sempre reembolsáveis e operacionalizados através do PO SEUR (Programa Operacional da Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos), por via da utilização de instrumento financeiro.

Para efeito dos projetos de eficiência energética, nos casos em que estão previstas intervenções nos edifícios, serão estabelecidos custos padrão máximo por superfície intervencionada (estabelecidos por entidades públicas do sector da energia tendo em consideração valores reais de mercado), de modo a garantir que as verbas disponibilizadas para o apoio à eficiência energética serão efetivamente utilizadas para esse fim, e, desta forma, procurando mitigar eventuais riscos de aplicação destes montantes a outras áreas de intervenção, como, por exemplo, obras de construção civil através da utilização de fundos primordialmente afetos à eficiência energética ou a energias renováveis.

Nos termos do Acordo de Parceria e pelos PO, o acesso às fontes de financiamento deverá ser competitivo, não havendo, consequentemente, lugar a financiamentos garantidos para beneficiários ou tipologias de beneficiários. Salvo para o Estado, claro, novamente…

Com este quadro de apoio financeiro, torna-se óbvio que os projetos de reabilitação urbana devem merecer um cuidadoso estudo prévio por parte dos promotores particulares, nomeadamente a avaliação do retorno do investimento, a consciência das limitações dos orçamentos familiares dos presuntivos inquilinos se a aposta da reabilitação for o arrendamento – e, finalmente, a instrução rigorosa dos processos de candidatura, de modo a assegurar que prazos rígidos para realização dos investimentos e especificação objetiva e calendarizada dos resultados a alcançar, exigidos pelo novo quadro de financiamento comunitário, não é inviabilizada pelas habituais dificuldades de licenciamento ou incapacidade na gestão contratual das obras de execução. Ou seja, todo o amadorismo terá consequências nefastas para o promotor. Esta reforma de mentalidades tem mesmo de acontecer.

Jurista, EPRU-Estrutura Pluridisciplinar de Reabilitação Urbana

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