Juízes exigem investigação rápida a suspeita de sabotagem do Citius

Ministra da Justiça enviou relatório à PGR sugerindo que seja ponderado inquérito por crimes previstos na lei do cibercrime. Magistrados defendem rapidez para evitar mais prejuízos na credibilidade da justiça.

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Fernando Veludo/NFactos

Os juízes exigem que a investigação a alegados crimes que terão estado na origem do colapso do Citius seja aberta com urgência e realizada com rapidez para que revele o quanto antes conclusões e eventuais responsáveis. Consideram que esta é a única forma de acautelar mais prejuízos para o funcionamento da justiça. Os tribunais estiveram 44 dias paralisados devido às falhas no sistema.

“A situação é gravíssima. A suspeita de que ocorreram omissões ou boicote na plataforma tem de ser rapidamente esclarecida para evitar mais danos na credibilidade da justiça”, defendeu a secretária-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Maria José Costeira.

Também o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, se mostrou “muito surpreendido”. “Será que houve então o interesse de alguém que nunca quis que isto funcionasse? Isso tem de ser apurado rapidamente. É o próprio sistema de justiça que está sob suspeita”, defendeu ainda.

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, sublinhou que este caso reforça o aviso feito “há muito tempo” pelos procuradores: “tem de existir um cuidado extremo” com o sistema informático da justiça que “deve ser robusto” e passar a ser gerido, em respeito pela lei, pela magistratura e “não pelo ministério”. 

No despacho enviado esta sexta-feira à Procuradoria-Geral da República (PGR), a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, considera poder estar em causa um crime de sabotagem informática previsto na Lei do Cibercrime. Sugere nesse âmbito à procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, a instauração de um inquérito-crime. A lei prevê uma pena até 10 anos de prisão para quem “perturbar gravemente o funcionamento de um sistema informático”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter esclarecimentos do Ministério da Justiça (MJ).

O relatório às falhas do Citius (a plataforma informática da Justiça), elaborado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), conterá indícios de que chefias intermédias terão omitido informações importantes na preparação do sistema para a reforma judiciária.

O inquérito-crime ainda não terá sido aberto face ao pouco tempo decorrido desde que a PGR recebeu a documentação. Joana Marques Vidal irá analisar o relatório e, considerando que existe matéria a investigar, remeterá o processo para o Departamento de Investigação e Acção Penal ou para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que investiga os casos de maior complexidade.

Inquérito disciplinar

O secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, foi quem primeiro recebeu o relatório considerando em despacho que as suspeitas poderão apontar para “ilícitos de natureza disciplinar e criminal”.

O MJ decidiu também abrir um inquérito interno para apurar responsabilidades disciplinares. A ministra sempre disse que possíveis demissões aconteceriam só depois de provadas as responsabilidades.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do IGFEJ, Rui Pereira, não quis comentar, mas em declarações anteriores, feitas em Setembro, culpou os próprios tribunais pelo bloqueio da plataforma, remetendo para erros acumulados ao longo de anos na inserção de dados.  

As declarações rapidamente inflamaram as críticas dos funcionários judiciais, que decidiram convocar greves de seguida. No mesmo mês, Paula Teixeira da Cruz sublinhou que lhe tinham garantido que estava tudo a postos para o Citius funcionar a 1 de Setembro para o início do novo mapa judiciário, o que não aconteceu. Rui Pereira, ao lado da ministra durante essa conferência de imprensa, disse ter sido ele a informar o MJ, mas também sublinhou que essa era a informação que outros lhe tinham passado.

Na sexta-feira, a governante reconheceu aos deputados do PSD e do CDS, nas jornadas parlamentares, que existem “deficiências profundíssimas” no Citius, mas argumentou que esses problemas foram usados como “pretexto” para criticar as reformas profundas que encetou e que atingiram diversos “interesses”. Alegou ainda que reformar um “sistema de justiça descredibilizado e sujeito a tentativas de politização” traria necessariamente problemas.  

Em 2012, dois anos antes da reforma judiciária, a ministra terá sido avisada pela equipa de funcionários que criou a plataforma — que existe desde o ano 2000 e foi sempre alvo desconfiança no sector — que a mesma corria o risco de entrar em colapso. Em Fevereiro de 2013, dez elementos dessa equipa, queixando-se de que não foram ouvidos, demitiram-se.

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