O que se vê por estes óculos?
A colecção de André Leal enche os cofres do Mude de exemplares raros e peças icónicas dos últimos quatro séculos.
Mostram-se também exemplares de culto para coleccionadores como ele – a marca Cazal e, em particular o modelo 856, fá-lo sorrir e desfiar um rol de utilizadores famosos, de Spike Lee a Brad Pitt, dos Run DMC a Jay-Z. Um dos mais valiosos pares na mostra é exactamente um Cazal 856 Deluxe: tem gravada a origem “Made in West Germany”, pré-queda do Muro de Berlim portanto, detalhes são em pele e brilhantes. “É um dos Santo Graal dos óculos. ”
São cinco núcleos não-cronológicos com alguns destaques – a reedição de 1960 dos Peggy Guggenheim para a Sáfilo, os inconfundíveis Eskimo de André Courrèges (1965) – e balizas criadas pelo coleccionador quando nos explica que a peça mais rara são uns discretos óculos pequenos e redondos, de metal gasto. Benjamin Martin fê-los em Londres em 1760 e introduziu à volta da lente “um anel em chifre de búfalo para limitar a profundidade de campo”, explica André Leal. Não só “foi aqui criada a primeira tendência em óculos”, de estilo, explica Leal, como é raro. Martin produziu cerca de 200 óculos ao longo de toda a sua carreira e o coleccionador só os obteve no Clube de Oftalmologia dos EUA em troca de um par chinês que estima que fosse dos século XIII ou XIV. E que lhe custou a entregar.
A vida de um coleccionador é isso – trocar, comprar, viajar pelo menos duas ou três vezes por ano e visitar armazéns em busca de stocks esquecidos. “Cresci no meio [das ópticas] e cria-se uma rede de contactos mundial.” A colecção começou com os pais mas, crescendo no meio de ferramentas e de óculos, André Leal passou do ódio ao amor só a meio da adolescência. Trocava roupas e discos, preciosidades para um teenager, por mais uns óculos. Hoje, os grandes centros para continuar a colecção são a Índia, o Egipto, a Rússia e a República Checa, países com distribuidores importantes para as suas zonas de influência ou armazéns e arquivos ainda por explorar. “Foi no Egipto que tive dos diggings mais saborosos da minha vida”, sorri sobre um dos seus mergulhos em stocks em busca de mais uma raridade.
Como Brevete, de 1932, popularizado pelas estrelas de cinema nesse Verão americano e fabricado por Oliver Goldsmith em acetato coincidindo com a altura em que os óculos escuros na acepção que hoje temos deles começaram a ser “mais extravagantes, mais conceptuais”. O design a entrar na conversa, o adereço e não apenas o acessório para andar nos vagões abertos dos comboios (1880), para conduzir (Goggles, 1910) ou para as peças em couro negro para as práticas de bondage. Os Frog de Pierre Cardin, com as suas formas exageradas e inconfundivelmente anos 1960 e dos quais só foram feitos cem é um exemplo do factor design. Ou uns redondíssimos Dior que não constam de qualquer catálogo da marca, lentes rosa e armação prateada, provavelmente um protótipo fabricado na Áustria em 1980.
Estes óculos são cultura material e dialogam com a emergência da cultura juvenil e com os cabelos de Vidal Sassoon (os Pyramid, de Oliver Goldsmith, 1972); com o design através das suas formas, mas também da apresentação de desconhecidas para o grande público como Claudia Carlotti, uma das “favoritas dos aficionados de design” de acessórios; com as décadas de 1970 e 80, os píncaros da produção de ícones e que ainda hoje originam reedições; e com o “o cluster de maior criatividade e [ao mesmo tempo] uma das piores partes da história dos óculos, quando se instalam os grandes fabricantes” e o desenho e a originalidade das pequenas marcas cegam parcialmente – o final dos anos 1980 e a década de 1990.
“Hoje é difícil sermos realmente surpreendidos, há muitas reedições”, diz André Leal sobre os anos 2000 que ainda assim lhe enchem as vitrines de peças fortes como os óculos Mickey Mouse do iconoclasta Jeremy Scott (2000), de novos materiais (queratina do cabelo, vinil, pedra) ou da edição especial Femina (2010) da André Ópticas com o Legendary Tiger Man. Afinal, “um par de óculos deve ser um statement.”