OE para 2014: as promessas cumpridas e as medidas que ficaram pelo caminho

O PÚBLICO avaliou o cumprimento das principais medidas do Orçamento do Estado para 2014 com base nas notícias publicadas há um ano.

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O Governo de Passos Coelho está prestes a entregar o OE para o próximo ano Rui Gaudêncio

“Afinal ainda havia mais 612 milhões de nova austeridade”

Com a apresentação da proposta de OE para 2014, os portugueses ficaram a saber que as medidas de austeridade a lançar pelo Governo atingiriam os 3901 milhões de euros, mais 612 milhões do que aquilo que tinha sido antes anunciado pelo executivo e pela troika. Depois de ter conseguido cumprir o objectivo de défice de 2013 graças a receitas extraordinárias (como a amnistia fiscal), o Governo tentava jogar pelo seguro para chegar a um défice de 4% em 2014. Mas no final não foi a austeridade que garantiu essa meta. Os 4% (retirando as medidas extraordinárias) deverão ser atingidos em 2014, mas com menos austeridade do que a prevista no OE, e com uma maior ajuda da economia. Algumas das medidas anunciadas, nomeadamente os cortes nos salários e pensões, acabaram por ser total ou parcialmente chumbadas pelo Tribunal Constitucional (TC) e não substituídas pelo Governo. A meta do défice foi cumprida porque as receitas fiscais subiram acima do previsto graças à aceleração do consumo e a uma maior descida do desemprego.    


 “Corte salarial mais do que duplica para 165 mil funcionários públicos”

Com o OE para 2014, os funcionários públicos e os trabalhadores das empresas do Estado ficaram a saber que iriam sofrer cortes salariais mais violentos. Em cima da mesa estavam reduções entre 2,5% e 12% para os salários brutos (antes de qualquer desconto) acima dos 600 euros. Na sua versão inicial, a medida abrangia, pela primeira vez, cerca de 260 mil funcionários que até então tinham ficado a salvo dos cortes que estavam em vigor desde 2011 e mais do que duplicava os cortes para 165 mil trabalhadores só da função pública, sem contar com os trabalhadores das empresas do Estado. Na versão final, o Parlamento decidiu aumentar o limiar para os 675 euros, mas nem assim a medida passou no crivo dos juízes do Palácio Ratton, que em finais de Maio a declararam inconstitucional, por violar o princípio da igualdade. Em consequência desse chumbo, os trabalhadores do Estado estiveram livres de cortes salariais entre Junho e meados de Setembro. Só a 13 de Setembro entrou em vigor o diploma que recuperou os cortes salariais aplicados entre 2011 e 2013 e introduzidos ainda pelo governo PS liderado por José Sócrates. Até ao final do ano, as remunerações acima de 1500 euros sofrem uma redução entre 3,5% a 10%. Na prática, a medida inicial prevista no OE para este ano apenas vigorou nos primeiros cinco meses de 2014 e, fruto do seu chumbo, reduziu significativamente o número de trabalhadores abrangidos. Para o próximo ano, está prevista a devolução de 20% do corte a todos os trabalhadores afectados pelos cortes.

“Empresas públicas poupam mais de 20 milhões com suspensão de complementos de reforma”

Apesar da contestação e das acções judiciais, a medida foi mesmo aplicada logo a partir de Janeiro deste ano, afectando os actuais e futuros reformados de empresas públicas deficitárias. Apenas a Metro de Lisboa e a Carris davam estes benefícios, que serviam para pagar aos ex-trabalhadores a diferença entre o seu último salário e a pensão. Nas duas empresas, mais de 5600 pessoas usufruíam de complementos e quase 3400 teriam direito a recebê-los quando se aposentassem. A poupança anual superou os 20 milhões de euros, mas desaparecerá a partir do momento em que as empresas voltarem a dar lucros e se mantiverem nessa situação durante três anos consecutivos. A medida foi alvo de fiscalização por parte do TC, mas, apesar da falta de unanimidade, passou no crivo dos juízes do Palácio Ratton.   

“Finanças preparam sorteio para premiar quem peça facturas”

Depois de criar um benefício fiscal em sede de IRS para incentivar o pedido de facturas com número de contribuinte nas compras ou serviços de cabeleireiro, restaurantes, oficinas de automóveis e hotelaria, o Governo lançou este ano o sorteio semanal “Factura da Sorte”. O concurso foi anunciado há um ano e os primeiros sorteios arrancaram em Abril, com transmissão na RTP1 a cada quinta-feira à noite. O valor dos prémios atribuídos – automóveis topo de gama – é suportado por vernas no OE. O Governo estabeleceu um tecto de dez milhões de euros anuais, mas, para o ano de lançamento da iniciativa, o Ministério das Finanças determinou, a “título excepcional”, que as despesas pudessem ser financiadas por uma parcela da receita do IVA.

Cada factura emitida com número de identificação fiscal (NIF) conta. O montante reunido em facturas a cada mês é dividido em cupões de dez euros. Todas as semanas é sorteado um automóvel, um Audi A4. E em cada seis meses há um sorteio extraordinário, onde são atribuídos três Audi A6.

Para mediatizar a iniciativa, o Fisco lançou um cartão com um código de barras associado ao NIF pessoal, que cada contribuinte pode imprimir e apresentar nas lojas, evitando dizer em voz alta o seu número. Também foi criada uma aplicação para telemóveis onde cada um pode ver quantos cupões acumulou. E quem pede facturas já estará habituado a receber um email assinado pelo director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, António Brigas Afonso, a “felicitar e agradecer” a colaboração...

Uma das críticas ao concurso centrou-se no facto de o Governo querer promover a cidadania fiscal aliciando os contribuintes com carros topo de gama. O executivo defende a aposta como medida de combate à fraude e à evasão fiscal, um eixo que as Finanças dizem estar a contribuir para o aumento da receita fiscal do Estado. Certo é que o número de facturas emitidas com número de contribuinte subiu de forma galopante. De Janeiro a Julho deste ano, foram emitidas 354,8 milhões de facturas com NIF, mais 45,3% do em 2013. Mas as facturas com número de contribuinte representam apenas 13% das 2737,6 milhões de facturas emitidas e comunicadas pelas empresas à Autoridade Tributária.  

“Governo mantém CES sobre pensões mas suaviza aplicação à função pública”

Os pensionistas voltaram a estar debaixo de fogo no OE para 2014. Da proposta constava o aumento da idade para aceder à pensão para os 66 anos, a manutenção da contribuição extraordinária de solidariedade (CES) para reformas acima de 1350 euros, a redução das pensões de sobrevivência e ainda o corte nas pensões da função pública com base na chamada Lei da Convergência. Na apresentação do OE, o Governo comprometeu-se a salvaguardar as pensões da função pública de duplos cortes, garantindo que os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações atingidos pelo corte de 10% previsto na Lei da Convergência ficariam a salvo da CES. Ainda o ano não tinha acabado e já essa preocupação ficou desactualizada. O TC chumbou a Lei da Convergência por unanimidade, com o argumento de que o corte definitivo das pensões em pagamento dos ex-funcionários públicos viola o princípio da protecção de confiança. A resposta a este revés chegou com a primeira alteração ao OE para 2014. Para compensar a perda de 388 milhões de euros, o Governo decidiu a base de incidência da CES, passando a atingir reformas acima de 1000 euros. Mas os problemas não ficaram por aqui e também as medidas para as pensões de sobrevivência acabaram por ser travadas. Em Maio, no mesmo acórdão que chumbou as reduções salariais, o TC declarou inconstitucionais os cortes nas pensões atribuídas a viúvos e viúvas. 

“Fisco passa a cobrar multas nos transportes e fica com 35% das receitas”

O OE para 2014 previa que a administração fiscal passasse a cobrar as multas nos transportes públicos a partir de 1 de Janeiro. O objectivo era tornar o sistema de cobrança mais rápido e eficaz e, ao mesmo tempo, dissuadir a fraude – que o Governo entendia ser uma das principais causas para a perda de passageiros. No entanto, o fisco ainda continua sem assumir a responsabilidade que lhe foi conferida, precisamente um ano depois de ter passado a cobrar as multas das portagens. Problemas informáticos estarão na base deste atraso, mas também se especula sobre a falta de meios na Autoridade Tributária e Aduaneira. Enquanto a medida não avança, as coimas por pagar vão-se acumulando nos escritórios das empresas públicas de transportes.

“Governo convida funcionários a trabalhar menos horas por um salário mais baixo”

A intenção era criar um regime especial de trabalho a tempo parcial mediante acordo entre o trabalhador e o serviço ou organismo. Quem aceitasse reduzir o horário um dia por semana ficaria isento dos cortes salariais, ficando apenas com o corte correspondente à redução do horário. O objectivo era incentivar os trabalhadores a trabalhar menos horas, numa altura em que o Governo decidiu o horário semanal da função pública de 35 para 40 horas. A medida tinha como pressuposto os cortes salariais mais penalizadores e permitia, de certa forma, dar aos funcionários a possibilidade de trabalharem menos um dia com reduções no seu rendimento pouco acima dos que teriam com os cortes aplicados aos salários acima de 675 euros. Como o corte salarial acabou por ser chumbado pelo TC, a medida poderá ter perdido o interesse, embora não se conheça o seu impacto. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre o número de pessoas que aderiu à medida, mas não obteve resposta.

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