Advogados já conseguem introduzir novas acções no Citius, mas ninguém sabe onde vão parar

MP não consegue também distribuir inquéritos em alguns serviços. Juízes "perplexos" exigem esclarecimentos de Paula Teixeira da Cruz. Ministério garante que novo mecanismo de distribuição de processos está pronto.

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Fernando Veludo/NFACTOS

No segundo dia do novo Citius, os advogados já conseguem aceder à rede informática que os liga aos tribunais e introduzir novas acções judiciais, mas não sabem depois o que lhes acontece. “No final, surge o aviso de que a acção foi enviada com êxito, mas não aparece depois, como aparecia, o número de entrada da acção. Deve de existir uma espécie de nuvem de acções perdidas algures. Os advogados enviam-nas, mas os tribunais não as recebem”, garantiu a bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga.

Sem os números de entrada das novas acções, os advogados não conseguem sequer pesquisar o estado em que se encontra o processo. “Nós colocamos as acções mas elas depois ficam numa espécie de limbo. Ninguém sabe onde vão parar. Nem nós voltamos a aceder a elas”, disse a advogada Ana Cristina Pinho que tem escritório em Loures.

“Os clientes perguntam-nos o que se passa, mas a verdade é que não fazemos ideia. E também não conseguimos consultar o andamento dos processos anteriores à reforma”, acrescentou também a advogada Palmira Santos. Os 3,5 milhões de processos antigos continuam no Citius antigo onde os funcionários judiciais não os podem tramitar.

Também o andamento dos novos inquéritos-crime abertos em alguns departamentos do Ministério Público (MP) está afectado. É o caso do MP em Sintra, onde trabalha o presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, Rui Cardoso. “É possível registar os novos inquéritos, mas não é possível ainda distribuí-los pelos magistrados”, contou. Em resposta ao PÚBLICO, o MJ disse que o novo mecanismo de distribuição de processos, agora pronto, estava em testes e que essa distribuição ocorrerá quarta-feira. Só então haverá numeração das acções.

Rui Cardoso lamenta que o “botão que bastaria carregar” para que todo o novo sistema funcionasse com o novo mapa judiciário, como prometido, se tenha revelado ser, afinal, o “botão da implosão”.

Já a porta-voz do Conselho Superior da Magistratura, a juíza Albertina Pedroso, confirmou que foi possível já esta terça-feira praticar actos judiciais e distribuir processos pelos juízes através do novo Citius.

Mas para os juízes a situação que se arrasta há 16 dias, com os tribunais parcialmente paralisados face ao bloqueio do sistema informático, “começa a ser gravíssima”, critica o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes. Aquele magistrado diz-se “perplexo” com a “falta de informação” e exige que “que o Ministério da Justiça (MJ) venha de uma vez por todas explicar de forma clara e transparente o que se passa”. 

O juiz critica ainda o ministério por ter “enviado um comunicado que induz as pessoas em erro” porque, diz, “não está tudo a funcionar”. A secretária-geral da associação, a juíza Maria José Costeira, garante mesmo que “a generalidade dos tribunais está um caos” devido aos problemas informáticos. A associação solicitou à ministra da Justiça, na segunda-feira da semana passada, informações sobre o que se passa, mas até agora, Paula Teixeira da Cruz nada explicou.

Do lado dos funcionários judiciais, registam-se também dificuldades. “Esta nova plataforma não está a funcionar bem. Continua o caos. A ministra pode dizer 30 vezes que está tudo bem, mas a realidade é outra”. Juizes, procuradores, funcionários e advogados apontam todos responsabilidades ao ministério de Paula Teixeira da Cruz. Evitam, porém, qualquer declaração que possa ser entendida como uma exigência directa da demissão da ministra.

“O que se tem passado nestes dias, desde que a reforma entrou em vigor, irá ser usado como prova no âmbito da queixa-crime que apresentamos contra os membros do Governo responsáveis pelo novo mapa judiciário. É cada vez mais nítido o crime de atentado contra o Estado de Direito com as sucessivas violações dos direitos dos cidadãos que estão privados da Justiça”, assegura a bastonária da Ordem dos Advogados.

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