Aberto processo de averiguações a VMER de Évora que falhou socorro a doente que morreu

Falta de pessoal deixou viatura na garagem entre as 8h e as 16h de terça-feira.

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A vítima ia ser transportada de helicóptero mas dada a gravidade da sua situação foi de ambulância para o Hospital da Universidade de Coimbra Luís Efigénio/Arquivo

A Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) de Évora estava inoperacional na terça-feira, por falta de recursos humanos, quando foi chamada a socorrer um doente em paragem cardiorrespiratória, que acabou por morrer, informou o hospital. O conselho de administração da Administração Regional de Saúde do Alentejo decidiu abrir nesta quarta-feira um processo de averiguações para saber o que se passou, disse ao PÚBLICO o seu presidente, José Robalo. Este é o terceiro caso conhecido, envolvendo vítimas mortais, em que a VMER de Évora estava indisponível quando foi solicitada para uma situação de emergência.

Numa curta declaração enviada por email aos jornalistas, o Hospital do Espírito Santo de Évora (HESE) informou que a VMER não esteve operacional no turno entre as 8h e as 16h, “por falta de recursos humanos”, acrescentando que, “não tendo sido possível garantir a sua operacionalidade, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) foi informado para que pudesse activar os outros meios disponíveis na área. O hospital, até à data, tem feito todos os esforços no sentido de completar todos os turnos e garantir a maior operacionalidade possível da VMER.”

Fonte oficial do INEM esclarece que apenas a viatura lhe pertence, remetendo para um despacho de 23 de Abril deste ano do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde que diz que “compete ao director do serviço de urgência, o qual tem a faculdade de delegar no director clínico, garantir a operacionalidade permanente do meio”. O mesmo documento diz que “em situações excepcionais, por decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço, todos os médicos e enfermeiros dos serviços de urgência das unidades de saúde com a formação específica em emergência médica, podem ser chamados para integrar a escala de profissionais que asseguram a tripulação da VMER, em detrimento de outras actividades hospitalares programadas.” Questionado sobre a existência desta escala de prevenção, fonte oficial do hospital informou que não prestarão mais declarações.

Cabe ao hospital apresentar mensalmente ao INEM, até ao último dia útil do mês, a escala de profissionais que asseguram as tripulações dos meios de emergência pré-hospitalar, aprovada pelo conselho de administração da unidade de saúde, refere o mesmo documento. O presidente da ARS do Alentejo, José Robalo, informou que decidiram abrir uma sindicância (um processo de averiguações) a este caso, para saber exactamente o que aconteceu.

João Caraça, adjunto do comando dos Bombeiros de Évora, explicou à Lusa que a corporação foi solicitada, na terça-feira de manhã, para "uma paragem cardiorrespiratória, num bairro limítrofe da cidade". "Ao chegarmos ao local, verificámos que era de facto uma paragem cardio-respiratória e pedimos apoio diferenciado, mas o Centro de Orientação de Doentes Urgentes  informou-nos que iniciássemos manobras e que transportássemos a vítima para o hospital", referiu.

O responsável adiantou que elementos da corporação transportaram o homem de 64 anos em paragem cardio-respiratória "até ao hospital em manobras" e que, passado algum tempo, foram "informados que a vítima tinha falecido".

Também em declarações à Lusa, a porta-voz do Movimento de Utentes de Serviços Públicos (MUSP) do distrito de Évora, Lina Maltez, lamentou a inoperacionalidade da VMER, uma situação que considerou "recorrente". "Infelizmente, as pessoas não podem escolher a hora a que a VMER está operacional para terem acidente ou um problema de saúde grave", afirmou, realçando que o movimento já alertou várias vezes para esta situação, mas, "aparentemente, nada continua a ser feito".

Considerando que a inoperacionalidade da VMER resulta "certamente do corte de verbas", a porta-voz do MUSP do distrito de Évora alegou que "o Governo corta no setor da saúde e, depois, não há dinheiro para contratar os médicos que possam prestar o serviço na viatura".

Este é o terceiro caso conhecido, envolvendo vítimas mortais, em que a VMER de Évora estava indisponível quando foi solicitada para uma situação de emergência, depois de, em Abril deste ano, não ter participado no socorro a dois homens que sofreram um acidente, perto de Reguengos de Monsaraz, e que acabaram por morrer.

Também no dia 25 de Dezembro de 2013, a VMER estava inoperacional quando um acidente na Estrada Nacional (EN) 114, entre Évora e Montemor-o-Novo, que envolveu dois automóveis e um cavalo, provocou quatro mortos e quatro feridos graves.

Em 2013 o Ministério da Saúde informou que a inoperacionalidade global das VMER foi de 4,1%, ou seja, registou-se uma operacionalidade de 95,9%; 18 das cerca de 40 viaturas que existem no país tiveram uma operacionalidade superior a 99%, enquanto sete chegaram mesmo aos 99,9%. Este ano, dados de Janeiro a Julho de 2014, a taxa de inoperacionalidade geral teve uma ligeira melhoria, desceu  para  1,9% (dos quais 1,6% por falta de tripulação e 0,3% por outros motivos: avaria, acidente, reposição de material e equipamento, etc.). Apesar disso, o MS reconheceu que a mais baixa operacionalidade entre as VMER registou-se, no ano passado, precisamente no Hospital Espírito Santo, em Évora, com 88,2%.

Neste ano já não foi esse o caso e Évora melhorou bastante, está em 11º lugar: em Julho esteve parada cerca de 6 horas por falta de tripulação, em Junho cerca de uma hora, em Maio nunca esteve parada mas, por exemplo, em Fevereiro, tinha estado parado 54 horas num mês por falta de pessoal (é suposto estar operacional 24 horas sobre 24 horas). As VMER com maiores taxas de inoperacionalidde são de Chaves, Albufeira, Santarém, Barcelos e Matosinhos, revelam dados a que o PÚBLICO teve acesso.

Já em 2012, a Ordem dos Médicos denunciara que a VMER do Hospital de Évora estava inoperacional “em 40% a 50% dos turnos”, deixando os cidadãos do distrito “sem nenhum meio qualificado de emergência médica pré-hospitalar”. Isto é “desumano e intolerável”, considerava então a ordem, em comunicado.

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