Estão os “homens de verde” de Putin à solta no Leste da Ucrânia?

Kiev diz que os comandos pró-russos que controlam parte do país respondem a Moscovo, mas poderá não ser assim tão linear.

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A Rússia terá “perdido o controlo sobre os separatistas no Leste" Gleb Garanich/Reuters

Desde que os primeiros “homens de verde” – como são chamados os separatistas pró-russos – apareceram na Ucrânia que as suas origens e acções têm sido disputadas. O Ocidente afirma serem controlados pela Rússia e responsabiliza-os pela queda do MH17.

Publicamente, o governo russo negou desde a primeira hora qualquer influência sobre os comandos que tomaram o poder na Crimeia e, posteriormente, avançaram para várias cidades do Leste da Ucrânia, onde têm travado batalhas com as forças leais a Kiev. A imprensa russa costuma catalogar estes grupos como de “autodefesa”, mas, no terreno, acumulam-se provas que apontam para uma interferência do Kremlin.

Se ao início os rebeldes apareciam armados apenas com metralhadoras Kalashnikov comuns, à medida que o conflito se estendeu começaram a surgir armas mais recentes e sofisticadas de fabrico russo. No mês passado, o Governo ucraniano afirmou que vários tanques russos atravessaram a fronteira, algo que acabou por se tornar comum nas últimas semanas, de acordo com o New York Times.

Para além do fornecimento de armas e veículos, algumas das principais figuras têm ligações muito próximas ao Kremlin. É o caso de Igor Girkin, também conhecido como Strelkov, que é o líder militar da auto-proclamada República Popular de Donetsk. Girkin é cidadão russo, serviu na Chechénia e é suspeito de trabalhar para os serviços secretos militares russos, os GRU. A versão do Kremlin é a de que se trata de um ex-funcionário dos Serviços de Segurança Federais russos.

Alexei Borodai, o primeiro-ministro da RPD, é, tal como Strelkov, cidadão russo que se diz ter envolvido no conflito ucraniano de forma privada. Fora da cúpula que lidera os rebeldes são muitos os oficiais identificados como cidadãos russos.

No entanto, os últimos tempos têm evidenciado um certo afastamento entre Moscovo e os rebeldes, deixando transparecer que, por um lado, a Rússia pretende distanciar-se das acções no terreno e, por outro, que os próprios separatistas estão longe de ser apenas marionetes.

A percepção de que Moscovo tem um controlo total sobre os rebeldes é afastada por Alexander Nekrasov, um antigo conselheiro do Kremlin. “Não é tão simples assim”, disse esta semana à BBC. “Há vários grupos que têm as suas próprias agendas e abastecimentos de armas”, explicou.

A estratégia de travar uma espécie de guerra por procuração, como lhe chama Stephen Saideman, da Universidade de Carleton, tem vantagens óbvias para Vladimir Putin. "Podem não ser inteiramente uma criação russa e não são totalmente compostos por pessoal russo, mas é óbvio que os políticos russos encaram estes separatistas como seus agentes para pressionar e desestabilizar o governo ucraniano", explica.

Sem nunca assumir que é do Kremlin que vêem as ordens, o presidente russo poderá sempre utilizar o argumento de que não interveio no território ucraniano – lógica que sempre usou – não correndo o risco de poder ser acusado de desrespeitar o direito internacional.

Por outro lado, este tipo de subterfúgio traz alguns riscos para o terreno. Ao contrário de um exército regular, deixa de existir uma hierarquia fixa e a cadeia de comandos é mais facilmente desrespeitada. Medidas punitivas como despromoções ou julgamentos não são possíveis e, em caso de uma quebra entre quem controla e quem está no terreno, as ofensivas podem tornar-se imprevisíveis. Tudo indica que a Rússia terá “perdido o controlo sobre os separatistas no Leste”, nota ao PÚBLICO Maria Raquel Freire, especialista em Relações Internacionais.

Moscovo, por seu turno, parece ter suavizado alguma da retórica utilizada em relação ao poder de Kiev, especialmente após as eleições presidenciais de 25 de Maio. Apesar de continuar a não reconhecer o governo e a considerar o derrube de Viktor Ianukovich como um golpe de estado, Putin mostrou-se favorável, pelo menos, à abertura de linhas de comunicação com Petro Poroshenko, o Presidente eleito, chegando mesmo a discutir um cessar-fogo. Para a docente da Universidade de Coimbra, “a Rússia já conseguiu o que queria da crise na Ucrânia, com a integração da Crimeia”.

A própria relação com os comandos rebeldes foi particularmente diferente da postura que Moscovo adoptou no caso da Crimeia. A rapidez com que o Governo russo reconheceu e colocou em marcha a integração da península contrasta com a ausência total desse cenário nos discursos oficiais em relação ao Leste da Ucrânia.

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