Gestor demitido por causa dos swaps pede indemnização de 270 mil euros

Silva Rodrigues processou a Refer por não ter sido reintegrado na empresa quando foi afastado da presidência da Metro de Lisboa e da Carris. Gestora ferroviária diz que o contrato de trabalho é nulo.

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Desfecho do caso de Silva Rodrigues não deverá ser conhecido tão cedo Daniel Rocha

No processo, que entrou no Tribunal de Trabalho de Lisboa a 14 de Maio, o ex-presidente da Metro de Lisboa e da Carris exige ser indemnizado por danos patrimoniais, no valor de 67.810,07 euros, pelos salários e subsídios que não foram pagos entre Junho de 2013 e Abril deste ano e pelos prémios relativos ao seguro de saúde. Esse montante aumentará, enquanto a acção decorrer, acrescendo-lhe ainda os juros.

Além disso, pede que a Refer lhe pague um valor “nunca inferior a 200 mil euros” por danos não patrimoniais. Silva Rodrigues argumenta que a situação “foi extremamente penosa e vexatória” e que “abalou o seu bom-nome e reputação profissional de forma irreversível”, acrescentando que se sentiu “profundamente humilhado e enganado”.

Entre danos patrimoniais e não patrimoniais, a indemnização total atinge 269.680,07 euros. Silva Rodrigues exige ainda que o tribunal reconheça a validade do contrato de trabalho com a Refer, que declare ilícito o despedimento feito pela empresa e que a obrigue a reintegrá-lo. Deixa, no entanto, em aberto a possibilidade de não aceitar a readmissão, mas sim uma indemnização pela cessação de funções. O gestor é hoje quadro do grupo Barraqueiro, uma empresa privada que está a analisar as concessões dos transportes públicos, nomeadamente da Metro de Lisboa e da Carris.

O principal argumento do gestor materializa-se no contrato de trabalho firmado a 16 de Dezembro de 2004 com a Refer. Nesse documento, assinado pelos vice-presidente e vogal da empresa na altura, refere-se que Silva Rodrigues assumiu as funções de “consultor (…) por tempo indeterminado”, sendo-lhe pago mensalmente “um vencimento base líquido (...) de 4800 euros”.

Lugares de recuo
No dia em que o contrato foi assinado, já o gestor era presidente da Carris – uma função que assumira em 2003. Como descreve na petição inicial, o vínculo à Refer foi criado com “o acordo do então ministro da tutela”, Carmona Rodrigues. Estes contratos, que criam os chamados "lugares de recuo", eram usuais à época, permitindo que os trabalhadores não perdessem o emprego, quando concluíam determinadas funções. Ainda há, aliás, muitos exemplos deste tipo no Estado, mas o estatuto do gestor público, em vigor desde 2012, veio impedir que mais fossem criados.

Silva Rodrigues manteve-se na presidência da Carris até 2012, ano em que acumulou a liderança da Metro de Lisboa, depois da fusão operacional das duas transportadoras públicas. E, por isso, ao contrato de trabalho assinado com a Refer em 2004 seguiram-se outros três, mas para efectivar a cedência do gestor. Num deles, de 26 de Março de 2009 e assinado por Silva Rodrigues, pelo presidente da Refer e por dois vogais da Carris na altura, refere-se que a gestora da rede ferroviária nacional “cede temporariamente e com carácter eventual (…) o seu trabalhador que nesta detém a categoria de consultor para que exerça o cargo de presidente da Carris”.

O documento estabelecia ainda que, “cessando o presente acordo ou em caso de extinção ou cessação de actividade” da Carris, “o trabalhador cuja disponibilidade é cedida regressa à segunda outorgante”, ou seja, à Refer. Nesse caso, manteria “todos os direitos aí detidos”. A 28 de Setembro de 2012, a cedência foi renovada, mas neste caso já dizia também respeito à Metro de Lisboa. Os termos são precisamente os mesmos da assinada em 2009.

“Decisão política”, diz o gestor
Quando, no final de Maio do ano passado, o Governo convocou os gestores envolvidos na polémica dos swaps para lhes comunicar a retirada de confiança, Silva Rodrigues diz ter contactado a Refer, com a qual chegou a acordo para, “após um curto período de férias, assumir as suas funções a 26 de Junho de 2013”. Contudo, dois dias antes desta data, recebeu uma carta da empresa a recusar a reintegração.

“Venho pelo presente transmitir (…) a impossibilidade legal de satisfazer tal pedido por força da invalidade do contrato de trabalho assinado a 16 de Dezembro de 2004”, lê-se na missiva da gestora ferroviária. A empresa baseia a decisão numa alegada violação do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Mais concretamente, no n.º1 do artigo 398º, que determina que “os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho (...), nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador”.

O gestor “não se conforma com a decisão”, considerando que “o procedimento adoptado mais não é do que uma decisão política, à margem do regime legal aplicável” e que se trata de um “despedimento sem justa causa”. Silva Rodrigues entende que o CSC não se aplica neste caso, mas sim o regime dos gestores públicos que esteve em vigor até 2012.

Nessa lei, não se proíbe a celebração deste tipo de contratos, o que só veio a acontecer há dois anos, com a revisão do estatuto destes trabalhadores. “Fica claro que, antes desta alteração, era possível a celebração de tais contratos de trabalho, quer com outra empresa do sector empresarial do Estado, quer com a própria empresa, pelo que nunca seria de colocar em causa o contrato [com a Refer]”, afirma nas alegações.

O ex-presidente da Metro de Lisboa e da Carris conclui que, “existindo norma especial de direito administrativo aplicável à situação [o regime dos gestores públicos anterior a 2012], não é aplicável o CSC”, acrescentando ainda que não pode considerar-se “as empresas públicas detidas pelo Estado como Estado e muito menos como estando em relação de grupo”.

A contestação da Refer
Na contestação que enviou ao tribunal, depois de uma tentativa fracassada de conciliação entre as partes a 3 de Junho, a Refer diz que o contrato de trabalho foi “celebrado à revelia da letra e espírito desta proibição legal” prevista no CSC, porque a gestora ferroviária e a Carris “assemelham-se na materialidade do seu quotidiano a um grupo de empresas”.

Além disso, e apesar de reconhecer que o contrato e as cedências à Carris e Metro de Lisboa existiram, argumenta que Silva Rodrigues “nunca integrou os quadros” e nunca auferiu um salário pelas funções de consultor, visto que esteve sempre cedido a terceiros. “Seria, de facto, estranho, que [a Refer] viesse agora necessitar do trabalho [do gestor], quando, decorridos quase dez anos, dele nunca necessitou”, lê-se no documento que deu entrada a 9 de Junho.

A Refer argumenta que “seria eticamente chocante” que o gestor “viesse a beneficiar das garantias de um estatuto laboral ficcionado à sombra de um pretenso contrato de trabalho que só existiu na forma, carecendo de substância”. E diz ainda ser “alheia à teia noticiosa” em redor da polémica dos swaps. Por isso, pede que a acção movida por Silva Rodrigues “seja declarada improcedente” e que a empresa seja “absolvida de todos os pedidos”, não lhe devendo “ser assacada (...) qualquer responsabilidade”.

O desfecho deste caso não deverá ser conhecido tão cedo, devendo o tribunal agendar para depois das férias judiciais o julgamento. Silva Rodrigues, que recusou fazer comentários sobre o processo quando contactado pelo PÚBLICO, incluiu no lote de testemunhas os dois ex-secretários de Estado dos Transportes que deram o aval ao acordo de trabalho com a Refer quando o Governo de então (liderado por Durão Barroso) o nomeou para presidir à Carris: Francisco Seabra Ferreira e Jorge Borrego. António Mendonça Mendes, antigo director de pessoal da Refer, Manuel Frasquilho, ex-presidente da Refer, CP e Metro de Lisboa, e António Santos e Silva, antigo administrador da Metro de Lisboa e da Carris, também estão na lista. Já a gestora ferroviária nacional também indicou o ex-director de pessoal da Refer e ainda Alexandra Barbosa, que hoje ocupa esse cargo.

As baixas dos contratos swaps
Silva Rodrigues foi apenas um dos três gestores demitidos por causa da polémica dos swaps. O mesmo aconteceu com o presidente da EGREP, João Vale Teixeira, e com Paulo Magina, ex-administrador da CP. Outros dois secretários de Estado, Paulo Braga Lino e Juvenal Silva Peneda, foram afastados por terem negociado ou autorizado derivados considerados problemáticos na Metro do Porto e na STCP. Mas estes dois últimos voltaram aos lugares de origem: o primeiro é director administrativo da Metro do Porto, e o segundo regressou à CCDR do Norte. A decisão do Governo foi tomada depois de o IGCP ter concluído que 56 dos instrumentos contratados por empresas públicas para proteger a variação das taxas de juro eram de risco. Dois deles foram detectados na Carris, tendo sido subscritos durante a liderança de Silva Rodrigues. O gestor, porém, sempre contestou esta tese. No global, os swaps acumularam perdas potenciais de 3000 milhões de euros, reduzidas para 1200 milhões após o cancelamento antecipado de 69 contratos.

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