Debaixo do gelo que cobre a lua Encelado, esconde-se um mar
Lua de Saturno tem uma anomalia no campo gravítico explicada apenas pela existência de um pequeno oceano, tapado por uma camada de gelo de várias dezenas de quilómetros de espessura. Haverá lá vida?
Em 1789, o astrónomo britânico William Herschel viu pela primeira vez esta lua. Encelado é o sexto maior satélite natural de Saturno, que tem várias dezenas de luas. Revestido de gelo, com 505 quilómetros de diâmetro e uma área equivalente à de Moçambique, o astro começou por não prometer muito. Mas a descoberta extraordinária dos jactos de vapor de água – vindos de fendas que parecem listras de tigres vistas do espaço – mudou tudo.
A Cassini detectou ainda várias moléculas nestes jactos, como dióxido de carbono, azoto, metano, amoníaco e outros compostos orgânicos. Suspeitou-se de que esta água provinha de um mar interior, já que a temperatura mais alta à superfície de Encelado resume-se a 180 graus Celsius negativos. Pensa-se que a energia que origina o vapor de água é gerada por um efeito de maré criado por Saturno, que deforma o satélite. Encelado percorre uma órbita elíptica e, quanto mais se aproxima de Saturno, maior é esta deformação e mais calor é produzido.
No final da última década, os cientistas olhavam com fascínio e curiosidade para esta lua que poderia ter um mar de água, uma fonte de calor e compostos orgânicos – três componentes que também existem aqui na Terra, nas fontes hidrotermais e nos vulcões de lama submarinos e permitem à vida existir na ausência de luz solar.
As expectativas parecem agora confirmar-se em relação à existência do mar interno. A forma como a equipa do italiano Luciano Iess, da Universidade Sapienza de Roma, chegou a esta conclusão foi engenhosa. Os cientistas analisaram o campo gravítico de Encelado. “As anomalias gravíticas mais pequenas, quando são comparadas com a topografia, dão informação sobre as estruturas que estão abaixo da superfície”, explica Luciano Iess, numa teleconferência da Science.
Na Terra, os Himalaias são um dos exemplos de anomalias gravíticas. A gravidade por cima desta cordilheira deveria ser maior do que na realidade é, devido ao seu tamanho. No entanto, as medições mostraram que não. O mistério resolveu-se quando se observou que os materiais no interior da Terra, por baixo da montanha, eram afinal menos densos. Em Encelado, passa-se o inverso: a explicação é que no seu interior existe água líquida, que é mais densa do que o gelo. Um cubo de gelo dentro de um copo com água exemplifica este fenómeno, ao ficar à tona.
Para se medir os campos gravíticos, a Cassini sobrevoou Encelado três vezes, em 2010 e 2012. Dois voos foram no pólo sul, enquanto o terceiro voo foi no pólo norte. A Cassini não mediu directamente os campos gravíticos, mas, ao passar perto da superfície da lua, a sua velocidade foi perturbada muito ligeiramente por variações gravíticas originada por Encelado. Depois, através da rede de antenas para o espaço profundo da NASA, essas variações foram detectadas na Terra.
As antenas recebem a comunicação rádio que a Cassini envia continuamente. Ao fazer estes voos por Encelado, as ondas rádio emitidas pela sonda são afectadas ligeiramente devido às pequeníssimas variações na velocidade da Cassini. A partir daqui, os cientistas obtiveram o mapa gravítico.
A nível topográfico, o pólo sul de Encelado tem uma depressão significativa, que levava a pensar na existência de uma anomalia negativa no campo gravítico. Mas os resultados agora obtidos mostraram uma anomalia menos exacerbada do que o que se esperava. A única forma para explicar este resultado é a existência de materiais mais densos do que o gelo por baixo da camada superficial gelada.
“O único bom candidato deste material é a água”, diz David Stevenson, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos EUA, outro autor do artigo científico. Os cientistas pensam que este mar está intimamente relacionado com as fendas no pólo sul de Encelado, proporcionando o material que sai nos jactos.
Segundo a equipa, essa massa de água interna existe por baixo de uma camada de gelo com cerca de 30 a 40 quilómetros de espessura e está assente directamente no núcleo rochoso de Encelado. O mar chegará a ter 10 quilómetros de profundidade e “poderá estender-se até metade da área entre o pólo sul e o equador”, refere David Stevenson, num comunicado. O cientista compara-o ao lago Superior, um dos grandes lagos da região dos estados do Minnesota e do Michigan, nos EUA, que tem 82.000 quilómetros quadrados e 11.600 quilómetros cúbicos de água.
“A descoberta expande o nosso olhar sobre as ‘zonas habitáveis’ dentro do nosso sistema solar e nos sistemas planetários de outras estrelas”, comenta Linda Spilker, do Laboratório de Propulsão a Jacto, da NASA, que faz parte da equipa da Cassini mas não assina o artigo.
Para já, não há nenhum projecto para enviar uma sonda para investigar o sistema de Saturno quando a missão de Cassini terminar, o que pode acontecer já em 2017. Por isso, é provável que passem décadas até conhecermos mais sobre o misterioso mar de Encelado.