Taxas de internamento acima do ideal em quatro dos cinco hospitais que podiam ter recebido o doente de Chaves
Inspecção-Geral das Actividades em Saúde abriu processo de acompanhamento ao caso. Entidade Reguladora da Saúde ainda está a "aprofundar conhecimento". Hospital de Braga rectificou informação e confirmou que afinal também foi contactado.
De acordo com os últimos dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que monitoriza a taxa de ocupação em internamento de todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, no ano passado, até ao terceiro trimestre, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho teve uma taxa de ocupação em internamento de 91,4%, o Hospital de Braga de 87,8%, o Centro Hospitalar do Porto (Hospital de Santo António) de 89%, o Centro Hospitalar de São João de 85,2% e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra de 76,7%. Os dados não são, porém, desagregados por serviço, não se sabendo, por isso, as taxas específicas só em cuidados intensivos.
Já o Centro Hospitalar de Lisboa Norte, ao qual pertence o Hospital de Santa Maria, e que acabou por receber o doente ficou nos 83,1%. O jovem acabou por ser levado para esta unidade ao fim de três horas de espera em Chaves. Sem condições meteorológicas que permitissem o recurso de um helicóptero, a vítima foi levada de ambulância até Torres Novas. Ao final dos 400 quilómetros, o estado de saúde agravou-se e foi então chamado um helicóptero, que completou a viagem até Lisboa. Na terça-feira, a víitma de acidente estava em coma induzido, escusando-se a unidade a actualizar os dados sobre o estado de saúde nesta quarta-feira.
Ao PÚBLICO, o Hospital de Braga tinha dito na terça-feira que não receberam nenhum contacto do Hospital Distrital de Chaves, mas nesta quarta-feira rectificaram a informação confirmando que foram de facto contactados “na madrugada do passado sábado, tendo sido transmitido ao Hospital de Chaves que a Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente não tinha, nesse momento, capacidade para receber o referido doente”
Tanto o Hospital de São João como de Santo António, no Porto, não comentaram o caso sobre o qual a Administração Regional de Saúde do Norte abriu também um inquérito para “apurar o contexto em que os factos divulgados efectivamente ocorreram” mas à RTP o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Porto, Sollari Allegro, adiantou que foi um neurocirurgião daquela unidade a combinar a vaga em Santa Maria, considerando que a rede de referenciação funcionou bem já que o doente precisava de cuidados intensivos e não de ser operado. Roberto Roncón Albuquerque, da medicina intensiva do Hospital de São João, confirmou a ocupação devida a casos de transplantes e de gripe A, desvalorizando a questão da área de residência em casos como este.
Já o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o único com uma taxa abaixo dos 85%, explicou que nesse dia a ocupação estava nos 100%, pelo que não puderam receber o doente. A unidade garantiu, contudo, que a situação foi pontual e afirmou que “as camas do hospital bem como os recursos humanos estão adaptados à procura, nas diversas especialidades", acrescentando que concretamente no caso da neurocirurgia a taxa de ocupação em 2013 ficou-se pelos 82,7%. O Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho não respondeu às questões.
Portugal com camas abaixo da média
a questão do número de camas nos hospitais e a sua redução nos últimos anos tem gerado polémica, até porque segundo os dados invocados pela Ordem dos Médicos aquando do debate sobre o tema, Portugal tinha em 2012 uma média de 3,3 camas por cada 1000 habitantes quando na OCDE esse número sobe para 4,9, na Alemanha ultrapassa os oito, e o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é 4,5. No espaço de quatro anos o país perdeu mais de 1600 camas, e não se sabe quantas destas são de cuidados intensivos.
O PÚBLICO questionou a Entidade Reguladora da Saúde no sentido de saber se recebeu algum pedido de intervenção relacionado com o caso de Chaves e o que está a fazer, tendo esta entidade dito que iniciou "as diligências necessárias para aprofundar o conhecimento" sobre a situação e que vai "adoptar as medidas que se revelem adequadas".
Já o inspector-geral da IGAS adiantou ao PÚBLICO que ainda na terça-feira abriram um processo de acompanhamento ao caso, tendo contactado todos os hospitais envolvidos, o Instituto Nacional de Emergência Médica e o Centro de Orientação de Doentes Urgentes. “O processo foi aberto ainda antes [do pedido do bastonário da Ordem dos Médicos] mas é importante dizer que esta situação é pontual, que a sua natureza não é vulgar, ainda que importe esclarecer as circunstâncias em que ocorreu”, defendeu José Martins Coelho.
Ordem dos Médicos pede inquérito
O bastonário da Ordem dos Médicos tinha antes anunciado, à margem de uma visita a Bragança, que pediu um inquérito à IGAS. José Manuel Silva, citado pela Lusa, afirmou que não tem dúvidas de que “alguma coisa correu mal” e que “é preciso perceber porquê, nomeadamente entender se tem a ver com os cortes na Saúde e com a desorganização que isso está a impor ao sistema”.
Para o bastonário, “é inaceitável que um doente politraumatizado tenha que percorrer centenas de quilómetros para ser devidamente assistido” e “esta incapacidade de resposta nesta situação concreta é bem o exemplo de que o Serviço Nacional de Saúde está a falhar e que o ministério tem de olhar com outro cuidado para os doentes que precisam de um Serviço Nacional de Saúde com qualidade e com eficiência”.
Também o Bloco de Esquerda enviou um pedido de esclarecimento ao Governo sobre o tema e solicitou ao Ministério da Saúde uma cópia do relatório que a IGAS venha a fazer. “Esta é uma situação inaceitável e que deve ser esclarecida até às últimas consequências. Não se compreende que um doente em estado grave tenha de ir de Chaves a Lisboa de ambulância. Não se compreende que, não havendo condições para fazer o transporte de helicóptero desde Chaves, este não tenha sido accionado para assegurar o helitransporte a partir do Porto, por exemplo. Não se compreende que toda a zona norte e centro do país não tenha nenhuma vaga em neurocirurgia, sendo que, tanto quanto se sabe, não se registou nenhum cenário de catástrofe nacional”, disse o partido.