“Não nos vamos tornar idiotas só porque podemos fazer pesquisas”
O fundador da Wikipedia acredita que o ruído dos muitos conteúdos online é compensado pela capacidade das pessoas para navegarem pela torrente de informação.
Jimmy Wales, o mais mediático fundador da Wikipedia, é conhecido por ter deixado dinheiro em cima da mesa. A enorme enciclopédia online, que existe em mais de 200 línguas e tem a ambição de se tornar num repositório de todo o conhecimento humano, não tem fins lucrativos e está registada como uma instituição de caridade.
Wales – que ganha dinheiro com um negócio de sites ao estilo da Wikipedia para temas específicos, como séries de televisão – juntou-se agora a um outro projecto, ainda em fase inicial: um operador de comunicações que promete dar 10% da factura de cada cliente, e 25% dos lucros, a instituições de caridade à escolha dos utilizadores. Para isto ser possível, a empresa vai gastar pouco dinheiro em publicidade e esperar que a mensagem se espalhe pela Internet. Por ora, a People’s Operator funciona apenas no Reino Unido. Wales, um americano de 47 anos, mora em Londres, casado com uma executiva de relações públicas que foi secretária de Tony Blair.
O fundador da Wikipedia esteve nesta segunda-feira na Casa da Música, numa conferência da Porto Business School, da Universidade do Porto. Na sua intervenção, definiu-se como um empreendedor que já falhou muitas vezes e que falhou em grande. O tipo de falhanços, explicou, em que devia ter parado um ano antes “para não perder o dinheiro todo”. E acrescentou que não é um multimilionário ao estilo dos fundadores de outras empresas da Internet. Começou por trabalhar no mundo das finanças e, em 1996, lançou um site de conteúdos para adultos. No início da década passada, teve a ideia para uma enciclopédia online, escrita e revista por peritos. O projecto falhou e daí nasceu a Wikipedia. Diz que a cultura de falhanço está muito embrenhada nos EUA e que na Europa falta tolerância para quem não é bem-sucedido.
A Wikipedia tem permanecido praticamente igual desde que foi criada, enquanto outros serviços online, como o Google, mudaram imenso. Não há ideias para novas funcionalidades?
O que queremos fazer é ter uma enciclopédia livre para toda a gente. Por isso, não estamos à procura de oferecer outros serviços, como e-mail. Estamos muito focados na nossa meta inicial e, para isso, texto e imagens são excelentes. Vamos fazer melhorias no mecanismo de edição, mas não esperamos mudar muito o site.
Os utilizadores não pedem funcionalidades?
Nem por isso. Ligamos muito ao que a comunidade diz e as pessoas estão a pedir funcionalidades sobretudo relacionadas com os dispositivos móveis. Por exemplo, já é possível mostrar os artigos sobre coisas geolocalizadas que estão próximas do utilizador.
A estratégia agora é a de expansão para os países em desenvolvimento. Qual é o maior obstáculo: falta de acesso à Internet ou falta de literacia?
Um pouco de ambos. O acesso é uma questão crucial. As pessoas que não têm uma boa ligação de banda larga, não conseguem contribuir para a Wikipedia. Os que têm uma ligação lenta podem lê-la, mas, nesses casos, contribuir é um processo frustrante.
Já pensou no que poderá significar a longo prazo a possibilidade de acesso constante a informação na Internet? Em como isso pode alterar a forma como armazenamos o conhecimento, cada vez mais fora dos cérebros?
Creio que vamos ter algumas mudanças, mas não tão dramáticas como algumas pessoas receiam ou outras esperam. Já ninguém memoriza números de telefone, porque eles estão no telemóvel. Basta saber o nome do amigo para quem queremos ligar. Não acredito que vá haver uma mudança profunda. Não nos vamos tornar todos idiotas que não sabem nada só porque podemos fazer pesquisas. Mas as competências de saber localizar uma informação específica são mais importantes do que nunca.
O empreendedorismo ao estilo de Silicon Valley está na moda em Portugal. Estando no Reino Unido, vê diferenças entre o empreendedorismo que se faz nos EUA e o da Europa?
Vejo algumas diferenças. Até certo ponto, o Reino Unido também é diferente do resto da Europa. A Europa devia estar preocupada com a quantidade de empreendedores que se mudaram para Silicon Valley. Numa conversa com o Loïc Le Meur, que é um grande empreendedor francês, ele disse-me que acabou por sair de Paris porque todos os amigos se tinham mudado para os EUA. Essa fuga de cérebros é um problema para a Europa. Mas também há aspectos sobre os quais podemos ser optimistas. Há alguns sítios bons no desenvolvimento [de ideias e empresas]. Mas a Europa devia apoiar mais os jovens empreendedores e ser mais aberta ao falhanço.
Há uma falta de cultura de empreendedorismo?
Até certo ponto, sim. Mas não completamente. Não sou inteiramente crítico da Europa. Já estive em países na Ásia onde a pressão sobre os jovens empreendedores [para que tenham sucesso] é quase inimaginável. A Europa não é assim tão má. Mas Silicon Valley, e os EUA, aperfeiçoaram muito esta ideia de que se tentarmos algo novo e isso não resultar, não há problema. É melhor ter feito algo interessante que não funcionou do que ter arranjado um emprego aborrecido num banco, onde apenas se desperdiçou o próprio potencial. Isso está muito embrenhado na cultura dos EUA e devia ser encorajado na Europa.
E pode ser replicado aqui?
Sim. De uma forma algo estranha, os problemas económicos dos últimos anos têm sido benéficos para criar essa atitude. Claro que não há nada benéfico no desemprego em massa. Mas, por outro lado, um dos efeitos colaterais de níveis elevados de desemprego jovem é vermos as pessoas a dizerem: “Estas grandes empresas não têm nada para mim”. Já não funciona aquele modelo antigo de contrato social em que se ia trabalhar durante 40 anos para uma grande empresa. Pensa-se: “Se eu quero um emprego hoje, é melhor começar eu mesmo a fazer as coisas”. Já não se tem aquela sensação de que temos uma rede de segurança da qual estamos a desistir se corrermos um risco. Se temos um bom emprego, há um grande risco em deixar o emprego e começar um negócio. Quando não se tem um emprego, isso já não existe. Infelizmente, também não se tem capital para arrancar.
No novo projecto em que está a participar, quer criar um operador de telecomunicações e dar mil milhões de dólares para caridade. Tem alguma ideia de quanto tempo podem demorar a alcançar essa meta?
Ainda não tenho uma ideia concreta. É um trabalho novo, só estou a fazer isto há uma semana. O grande desafio é conseguir os acordos para nos tornarmos um operador virtual [que funciona recorrendo às infra-estruturas de rede dos outros operadores]. Os primeiros alvos são os EUA e a Europa, que são mercados ricos. Se a empresa for bem-sucedida, alcançar a meta seria bastante rápido. Mas suspeito que vai demorar um pouco. A ideia tem de se espalhar viralmente, e, nesse processo, as primeiras duplicações da mensagem demoram e só no fim a ideia se alastra.
A Internet hoje é muito viral. Em muitos aspectos, é uma forma mais alargada da cultura de participação que a Wikipedia sempre teve. As pessoas publicam e partilham todo o tipo de informação. Mas isto também provoca muito ruído...
Em termos gerais, isso é uma coisa muito boa. As pessoas estão a tornar-se muito sofisticadas a navegar através do ruído. A Wikipedia é uma ferramenta fantástica para isso, porque damos a informação básica, que foi analisada e vetada pelas pessoas. Não é perfeita, mas nada é perfeito.