A surpresa é que não houve surpresas

O Presidente não pediu a fiscalização do Orçamento. Uma opção que acarreta algum risco.

O Presidente não é taxativo em relação à decisão de não enviar o documento para o Constitucional. Mas nas entrelinhas do discurso pode ler-se que há um valor que para Cavaco nesta altura parece ser maior do que todos os outros: estabilidade para não assustar os mercados. E para esta estabilidade o Orçamento é, segundo Cavaco, “um instrumento da maior relevância” no contexto de “acesso aos mercados de financiamento externo a taxas de juro razoáveis”.

Em termos práticos, o facto de Cavaco não ter solicitado uma fiscalização sucessiva é irrelevante. Por uma porta, ou por outra, o documento vai parar aos juízes do Palácio Ratton. Isto porque os partidos da oposição já disseram que iriam activar a fiscalização do documento. Já em termos políticos, a decisão não é neutra. Cavaco sabe que está a correr riscos de estar a promulgar um Orçamento que pode conter normas inconstitucionais. Foi o que aconteceu com o primeiro Orçamento do Governo de Passos Coelho que, apesar da promulgação e do silêncio de Cavaco, veio provar-se mais tarde estar contaminado com pelo menos uma norma inconstitucional (o corte dos subsídios na função pública).

A repetição desta situação poderia deixar o Presidente numa situação melindrosa e fragilizado politicamente. Exactamente aquilo que o país não precisa para 2014, já que no ano que agora começa o papel de árbitro desempenhado por Belém poderá ser fundamental. E é o próprio que, repetidas vezes, apelou à necessidade de compromissos políticos. E para esses compromissos é preciso um Presidente que não seja visto como estando a secundar ou a não fiscalizar convenientemente as opções do Governo.

No discurso, Cavaco tentou ser salomónico nos recados a enviar aos partidos. Veio dizer, de uma forma clara, que “um programa cautelar é uma realidade diferente” de um segundo resgate. Que é como quem pede aos socialistas para baixarem a fasquia e não considerarem a bitola irlandesa (uma “saída limpa”) como a única alternativa possível para Portugal sair do actual resgate com sucesso. E para os partidos da maioria pediu um “compromisso político de médio prazo em torno de grandes objectivos nacionais”, que é como quem pede ao PSD e ao CDS para que envolvam o PS nas negociações para um eventual programa cautelar. Mesmo que a isso não sejam obrigados pelo credores.
 
 
 

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