Cada vez há mais famílias com dificuldades em pagar as contas da água e da luz

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Um dos problemas é que, quando pedem ajuda, "as famílias já vêm com atrasos de muitos meses" Foto: Eva Carasol/arquivo

Maria Idália está a tomar banho de água fria. O fornecimento do gás da sua casa, em Vila Nova de Gaia, foi-lhe cortado em Maio pela EDP, depois de ter falhado a última prestação de um plano de pagamentos que tinha acertado com a empresa.

"Nesse mês deu-me uma dor e acabei por entrar no hospital, onde fui operada. Agora dizem-me que tenho que pagar 297 euros, com cauções e custos de restabelecimento. Mostrei-lhes os papéis dos médicos e pedi-lhes que me deixassem pagar quando vier o subsídio de Natal, mas responderam-me que já tinha tido a minha oportunidade e falhei", contou ao PÚBLICO esta desempregada de 58 anos.

A aguentar um orçamento em que a única receita são os 354 euros de reforma do marido, Maria Idália tem cozinhado com um fogão eléctrico que lhe emprestou uma vizinha. Não serve é para aquecer a água do banho.

"O meu marido tem Alzheimer e eu também sou doente – estou a tomar 15 comprimidos por dia. A primeira vez que me atrasei foi porque também se atrasaram a enviar o vale da reforma. Atrasei-me mas acabei por pagar, só que, entretanto, a factura já tinha aumentado por causa das taxas, porque, segundo a EDP, a interrupção do fornecimento já tinha entrado no sistema, apesar de, dessa primeira vez, não terem chegado a cortar o gás".

Enquanto Maria Idália hesita entre dois cenários ("Sentar-me à porta deles até aceitarem o pagamento em prestações ou metê-los em tribunal porque não pode haver justiça em quererem que passe um mês sem comer para poder pagar o gás"), chegam todos os dias à AMI e à Deco centenas de pedidos de ajuda para regularização das contas da água, gás e electricidade.

"Temos pessoas que estão a tomar banho de água fria há mais de dois anos. As empresas cortam no fornecimento, mesmo perante os casos mais dramáticos. No atendimento ao balcão, os funcionários vêem pessoas a chorar e a dizer 'Ah, e os meus filhos?...' e cortam mesmo assim, porque são essas as indicações que recebem", acusa Ana Martins, directora da Acção Social da AMI, acrescentando que quem chega à instituição com pedidos deste nível são os "remediados" de há uns anos.

"São as pessoas que viviam de "recibos verdes", com trabalhos mais ou menos temporários e com salários baixos mas que iam conseguindo evitar as nossas portas. Essa população perdeu o emprego (e muitos perderam o subsídio) e ficou sem ter com que gerir uma casa, isto nos casos em que não perderam já a casa para o banco". E defende que as empresas fornecedoras de serviços básicos "deviam ter excepções e programas especiais que ajudassem a evitar este caos social".

Segundo a Deco, empresas como a EDP "até têm sido bastante sensíveis a situações deste género", conforme adianta Natália Nunes, do gabinete do sobreendividamento da associação de defesa do consumidor.

"A EDP tem demonstrado grande abertura para negociar planos de pagamento – por vezes, com valores muito baixos – e para aceitar restabelecer a ligação de imediato, demonstrando ter uma percepção das dificuldades sentidas pelas famílias". No caso do fornecimento de água, "varia muito de serviço municipalizado para serviço municipalizado".

Um dos problemas é que, quando pedem ajuda, "as famílias já vêm com atrasos de muitos meses", diz Natália Nunes. "Por desconhecimento, e muitas vezes por vergonha, as pessoas deixam arrastar as situações, e, quando cá chegam, estão ou vão ser confrontadas com a interrupção do fornecimento".

Que o problema tem vindo a aumentar, demonstram-no os números. Em 2011, a AMI apoiou 14.900 pessoas, mais 94% do que em 2008. E no primeiro semestre de 2012 os pedidos de ajuda já ultrapassam os dez mil. No caso da Deco, tinham sido abertos até Agosto 3576 processos relativos a pedidos de renegociação de dívidas.

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