“Ainda há uma certa iniquidade” apesar de novas medidas, diz constitucionalista
“Existe maior equilíbrio que antes, mas ainda há uma certa iniquidade”, disse à Lusa Paulo Otero a propósito das medidas anunciadas na quarta-feira pelo ministro Vítor Gaspar.
Entre as mudanças apresentadas pelo governante destaca-se o aumento do IRS com a redução de escalões e a introdução de uma sobretaxa de 4% para compensar a reposição de um subsídio aos funcionários públicos e 1,1 subsídios aos pensionistas e reformados.
“Ao que parece vai ser cortado um subsídio, mas na realidade continuam a não existir dois subsídios no sector público porque um é dado, mas é imediatamente retirado através da carga fiscal”, disse também o constitucionalista.
Paulo Otero espera que o ministro das Finanças tenha consciência do que está a pedir, considerando que as medidas “excedem tudo aquilo que era imaginável”.
De acordo com o constitucionalista, as medidas são apenas do lado da receita e são apenas títulos sem materialização jurídica. “O que está a ser exigido é qualquer coisa de brutal que ultrapassa o limite da razoabilidade em sede de exigência fiscal”, afirmou Paulo Otero, considerando que se passou de um Estado fiscal para um Estado expropriativo em matéria fiscal.
“Estado tem de dar um rigoroso exemplo”“Nós, como contribuintes, temos de ter uma consciência mais desenvolvida, mais exigente em saber como é que o nosso dinheiro é gasto. Para nos exigir isto, o Estado tem de dar um rigoroso exemplo na forma como vai gastar este dinheiro, têm de existir cortes em tudo aquilo que são despesas inúteis, desnecessárias e até ilegais”, salientou.
No entender de Paulo Otero, nos últimos anos o país tem assistido a uma “afectação irracional e, por vezes, imoral do dinheiro dos contribuintes a todos os níveis desde o financiamento dos partidos políticos, à existência de estruturas da administração inúteis e à falta de coragem” no corte das despesas.
Paulo Otero considerou ser cedo para falar sobre a possibilidade de o Presidente da República, Cavaco Silva, promulgar as medidas ou enviá-las para o Tribunal Constitucional.
“Seria precipitado porque não sabemos a materialização jurídica disto. Sabemos que vem aí um exército de medidas, mas ainda não temos a noção de qual é a dimensão desse exército (...). É arriscado dizer se é uma solução claramente constitucional. Depende de como forem formuladas juridicamente nas disposições do Orçamento”, explicou.
O constitucionalista considerou ainda que todos os sacrifícios feitos pelos portugueses “foram em vão” e que estão a ser exigidos sacrifícios sem uma esperança no fim do túnel. “Perdemos a esperança e possivelmente também a confiança”, concluiu.