Tribunal de Contas detecta facturação duplicada nas contas de novos helicópteros

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Helicópteros EH 101 sucederam aos velhos Puma que estiveram ao serviço das Forças Armadas durante décadas Carlos Lopes/arquivo

Foi criada uma "complexa arquitectura institucional e contratual" que, além de ter resultado em problemas de operacionalidade nos helicópteros, implicou o aumento de custos que o Estado teve de pagar por 10 dos 12 helicópteros adquiridos para substituir os Puma. Estas são algumas das conclusões que o Tribunal de Contas (TC) retira na auditoria feita ao processo de aquisição e manutenção da frota dos EH 101.

Mas a "situação de descoordenação e ineficácia" no Ministério da Defesa revelou-se ainda mais preocupante. Ao avaliar a manutenção dos aparelhos, o TC "detectou facturação duplicada [na ordem do milhão e 100 mil euros] e omitida [relativa a 800 mil euros], da Defloc (uma sociedade criada especificamente para a aquisição destes helicópteros, fazendo parte do universo da Empordef) à SGMDN (Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional), na medida em que as mesmas facturas dos fornecedores à Defloc constavam em mais do que uma lista de suporte ou não constavam de nenhuma, respectivamente".

A confusão ocorreu durante os anos de 2007 e 2011 - governos de Sócrates - e só terá sido revelada pela auditoria do TC. Confrontado com os números, o actual ministro da Defesa, Aguiar-Branco determinou em Junho a "realização de um inquérito pela Inspecção-Geral da Defesa Nacional". As duas entidades públicas envolvidas, Defloc e SGMDN, reconheceram perante o tribunal a irregularidade, garantindo que a situação tinha sido "corrigida, tendo sido emitida a nota de crédito no valor de 1.131.909,39 euros, como contrapartida da facturação emitida em duplicado e a factura no valor de 883.212,53 euros, relativa aos montantes em dívida e não facturados".

Ainda assim, o TC acabou por sublinhar "a gravidade das falhas de controlo" reveladas. E, de forma indirecta, dava a entender que tipo de suspeitas podiam recair perante esta aparente incompetência: "A Defloc não deu cumprimento à recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção, encontrando-se ainda em elaboração o Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas."

O TC critica de forma alargada todo o processo. Nomeadamente o mecanismo encontrado para fazer a operação. Em causa está a decisão de avançar para compra de 10 dos 12 helicópteros através de locação operacional, em vez de os adquirir directamente. Depois de feitas as contas a contratos de aquisição e revisão posterior, juros de mora, e empréstimos solicitados ao BPI e CGD para financiar a operação, o tribunal percebeu que "a opção pela locação e subsequente cessão de créditos, tendo ainda em conta os incidentes de execução", tinha resultado num "acréscimo de 120 milhões de euros, a preços correntes, relativamente ao preço inicial". Em 2001, o Estado contratualizara por 10 helicópteros o pagamento de 244 milhões de euros. Em 2012, feitas todas as contas, os mesmos 10 helicópteros representam um custo de mais de 364 milhões. O que representa uma derrapagem de 50%, embora a revisão dos juros a pagar ao longo dos anos tivesse tornado menos onerosa para o Estado a operação.

E a engenharia financeira elaborada para esta operação resultou ainda, segundo o TC, em "baixos níveis de operacionalidade da frota". Três anos após a entrega do primeiro helicóptero - 2008 -, já havia notícia de aparelhos em terra por falta de manutenção. Isto porque a entidade encarregada da manutenção - Defloc - não recebia do Ministério da Defesa as verbas necessárias para pagar as reparações e substituição de peças. "Entre Maio de 2007 e Dezembro de 2011, o período médio de inoperacionalidade por aeronave foi de 39% (média de 32 meses de inoperacionalidade em 83 meses de possível utilização)", refere a auditoria. Daí que os conselheiros do Tribunal de Contas se assumam surpreendidos pela "total omissão das consequências dos elevados níveis de inoperacionalidade dos equipamentos militares adquiridos".

As críticas feitas pelo TC atingem uma sucessão de ministros da Defesa, tanto do PS como da coligação de direita. A operação arrancou em 2001, ainda durante a tutela de Rui Pena, então no Governo de Guterres. Foi nesse momento que foi criada a Defloc. A revisão do contrato aconteceu em 2004, quando Paulo Portas era ministro da Defesa. E os problemas de transferências de verbas para a manutenção do equipamento, bem como dos casos de dupla facturação, começaram a dar-se durante a tutela de Severiano Teixeira, prolongado-se com Augusto Santos Silva. Estes dois últimos nos governos de Sócrates.

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