Já houve 89 licenciaturas na Lusófona como a de Miguel Relvas

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Miguel Relvas teve equivalência a 32 disciplinas e fez quatro exames Foto: Rui Soares

Em "praticamente uma década", 89 alunos obtiveram créditos suficientes para concluir curso num ano, segundo a universidade. Há instituições que abusam, diz presidente da Comissão de Acesso ao Superior.

Foram 89 os alunos que pediram admissão à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa) e que obtiveram entre 120 e 160 créditos devido ao reconhecimento e creditação da sua experiência profissional e académica. Conseguiram assim condições para concluir uma licenciatura num ano, tal como aconteceu com o ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares Miguel Relvas. A informação foi prestada por Manuel José Damásio, administrador desta instituição de ensino onde o governante se licenciou.

Os planos de estudos das licenciaturas compreendem, por regra, 180 créditos, distribuídos por um número variável de disciplinas. Mas a creditação da experiência anterior ao curso, para um aluno que já frequentou o ensino superior, pode significar a dispensa de uma ou várias cadeiras, conforme os créditos que as universidades entendam que esse percurso vale. A lei dá toda a liberdade às instituições para decidirem como fazer a creditação e quantos créditos atribuir.

"O número de alunos que obteve por esta via [reconhecimento de competências] um número de créditos que lhe permitisse caso o desejasse realizar num só ano o seu curso (...) foi ao longo de todo o período de praticamente uma década que decorre desde a implementação da declaração de Bolonha, de 89 alunos", explicou Damásio.

Em Portugal, o diploma que regulamenta as alterações introduzidas na estrutura dos cursos superiores por Bolonha (processo que visava a harmonização europeia dos mesmos) é de Março de 2006. "Note-se que nunca o máximo de ECTS [os 180 créditos das licenciaturas] foi obtido só por via de creditação profissional", sublinhou Damásio.

Nesta quinta-feira o jornal i divulgou o que tem sido solicitado ao ministro. Qual o currículo profissional e académico que foi tido em conta, e no que se traduziu, para que obtivesse a licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais num ano (diploma de 2007)? Resposta: Relvas diplomou-se com equivalência a 32 disciplinas (num plano de estudos de 36) e fez exames a quatro cadeiras. Tudo depois de analisados os cargos públicos, políticos e privados que ocupou. Ao PÚBLICO não foi dada autorização para consultar o processo.

A Lusófona não tem um regulamento específico para a creditação de competências. Nem estabelece limite de créditos a conferir – "Como não temos limites não é preciso regulamento", diz Damásio que duvida que seja legal a definição de tectos máximos se a lei não o faz. O reitor exemplifica: se Saramago se quisesse candidatar a um curso de Literatura tinha o direito a ter equivalência a todas as cadeiras.

Reitor e administrador garantem que tudo é feito com rigor, segundo "normas" que se repetem para todos os candidatos. "Um professor (ou professores) é responsável por analisar o dossiê entregue, pode haver entrevistas e provas", depois há uma proposta ao conselho científico da faculdade – "àquele currículo deve corresponder 'x' cadeiras." E este "concorda, ou não, ou pede mais provas..."

A Lusófona já ponderou estabelecer um limite de créditos. Um documento intitulado "Regulamento de Validação e Creditação de Competências no Grupo Lusófona", sem data nem assinatura, encontrava-se nesta quinta-feira no site do Instituto Politécnico de Portalegre. A universidade fez saber que se tratou de uma "base de trabalho" no âmbito "das negociações de uma parceria", não tendo chegado "a avançar" por ter havido discordâncias em relação a alguns pontos – como estabelecer-se como regra um "limite máximo de 30" créditos.

Sobre se deve ou não haver regulamentos específicos para a creditação as opiniões dividem-se. O DL 74/2006 diz apenas: "Os procedimentos a adoptar (...) são fixados pelos órgãos legal e estatutariamente competentes" das instituições. Vieira de Andrade, especialista em Direito Administrativo, diz que pelo que está na lei não se pode concluir que há uma ilegalidade se não houver regulamento. "Mas o que é normal é que as coisas não se decidam caso a caso."

"Estado é responsável"

O presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, Meira Soares, vai mais longe. "As boas práticas internacionais mandam que haja um regulamento transparente, público, para que não se levantem suspeitas como as que se estão a levantar. Estamos a falar de universidades privadas. Mas que funcionam com o selo do Estado português, portanto o Estado é responsável pelos diplomas que de lá saem."

Meira Soares garante que creditação de experiência se faz em todo o mundo. Já a lei portuguesa tem um defeito: "Não define balizas e a experiência mostra-nos que há abusos."

André Freire e Costa Pinto, dois politólogos, assumem posições opostas quanto à necessidade de limitar o número de créditos. Freire, que considerou "um absurdo as 32 equivalências" reconhecidas a Relvas, conclui, deste caso, "que não se pode confiar a decisão às pessoas ou instituições". Já Costa Pinto diz que "os acontecimentos mostram que sem necessidade de qualquer regulamentação a punição social do abuso está em curso. E com um enorme impacto negativo na imagem da Lusófona como na do ministro Miguel Relvas."

Costa Pinto não contesta a aplicação do princípio do reconhecimento de competências, "desde que ele sirva de incentivo à valorização académica". Mas "neste caso o objectivo não era a aprendizagem, mas o diploma, em si". Com investigação nesta área, afirma que "o anseio por um título académico é característico de uma geração que nasceu nas juventudes partidárias e que, em certo momento da carreira, acredita que sem ele não irão progredir". Considera "especialmente irónico que depois venham a ser politicamente punidos pela forma como o obtiveram, na medida em que ninguém tem de ser licenciado para exercer o cargo de ministro ou deputado."

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