Bairro Alto interdito a novos bares, o que é uma vitória para os moradores
A proposta da Câmara de Lisboa de interditar a abertura de novos bares ou discotecas nos núcleos históricos do Bairro Alto, Bica, Mouraria, Madragoa, Alfama e colina do Castelo é considerada positiva por juntas de freguesia e moradores, mas os comerciantes do Bairro Alto acham-na injusta e uma sentença de morte à diversidade cultural do local.
A alteração aos planos de urbanização para aqueles núcleos, que já vigoravam há 12 anos, e que estão abertos até amanhã à discussão pública, teve inexpressiva participação popular. Se não se esgota no capítulo da diversão nocturna, pois define regras para novas dinâmicas urbana e social, é a noite o principal vector dos documentos, de maior interesse para residentes e agentes económicos. E a dedo aponta-se: ninguém quer ser um novo Bairro Alto.
"Não há respeito por quem quer descansar, a lei do ruído não é cumprida no Bairro Alto, mas vamos obtendo algumas vitórias, mesmo sendo uma guerra longa", argumenta, em síntese, Luís Paisana, presidente da associação de moradores do bairro.
Pretendem os planos de urbanização, que se sobrepõem ao actual Plano Director Municipal, e que deverão vigorar por dez anos após aprovação, diversificar a actividade comercial, e incentivar a instalação de unidades turísticas, regenerando o espaço público. Quanto ao património edificado, os planos não se limitam a definir parâmetros para a sua reabilitação, pois liberaliza a possibilidade de crescerem em altura, permitindo a construção em sótão, também a abertura de caves, que em nova obra terá de prever estacionamento automóvel. Mas se interdita remendos nas fachadas e privilegia obra inteira, também avaliza a demolição de aberrações, ou de reabilitação economicamente inviável.
Todavia, o facto de confinar a animação nocturna aos locais onde esta já existe (são definidos zonamentos, uns para habitação, outros para os bares) constitui o vinco diferenciador para os anteriores regulamentos. "Como forma de preservar o sossego", assim define a câmara.
"Há mais de 300 bares", esclarece Luís Paisana: "Há anos que não se podem abrir mais bares, mas o que tem acontecido é que se vão montando novos comércios, seja do que for, e que, acto contínuo, pedem licenciamento para uma secção acessória. Rapidamente, essa secção passa a principal. Na prática, deixam de vender roupas, e passa a ser um bar."
De ora em diante, os novos pedidos de abertura de bares não serão autorizados, tal como essas secções acessórias serão banidas. "Esse é um ponto a favor dos moradores e do próprio bairro", diz Luís Paisana.
Belino Costa, em representação dos comerciantes do Bairro Alto, remete para o comunicado-carta da associação, dirigido ao presidente da câmara. Em sete pontos de contestação às medidas, lê-se ser de prever que, "numa década, as actividades comerciais da zona estejam maioritariamente nas mãos de emigrantes, transformando o bairro cultural numa espécie de 'Martim Moniz do século XXI'".
Impacte negativoLamentando não terem sido ouvidos na preparação do plano, advertem que tal medida poderá ser "uma sentença de morte à diversidade cultural do bairro e terá um impacte negativo no equilíbrio comercial de toda a zona (...) e que a multiplicação de restaurantes levará a tal concorrência que arrastará o sector para níveis de oferta de baixo preço, multiplicando os angariadores de clientes". Acrescentam os comerciantes: "Tal visão estratégica é contrária à alma e democraticidade do Bairro Alto e terá consequências muito negativas."
Luís Paisana advoga que a abertura a empreendimentos turísticos "pode beneficiar o bairro, se for turismo de qualidade, pois esses empresários não terão interesse em ver a zona conspurcada". Mas também alerta que o regulamento deveria ser mais claro a respeito do que pode ou não, e onde, abrir ao público.
Semelhante preocupação tem o presidente da Junta de Freguesia de Santos-o-Velho (Madragoa), Luís Monteiro: "Há que dar atenção ao espaço público e aos estabelecimentos existentes, não vá dar-se o caso de cairmos noutro Bairro Alto. Preocupa-nos a possibilidade de mudanças de ramo de actividade e as secções acessórias, com horários nocturnos. Queremos que haja zona de divertimento saudável, que não incomode os residentes."
Propõem os comerciantes que seja permitida a instalação de bares na zona de restrição, "porque são complementares à actividade turística e à restauração" e que, reconhecendo a câmara a existência de um conjunto de estabelecimentos não licenciados, possam estes processos ser analisados para eventual legalização. "Durante 16 anos, a CML foi permitindo a abertura e atribuindo horários de funcionamento a estabelecimentos de bebidas, de facto. Não podemos fazer de conta que não existem, especialmente em tempos de crise e desemprego", lê-se no comunicado dos comerciantes.
"Não tem lógica abrir mais bares, mas é positivo que se abra outro comércio", diz a autarca de Santo Estêvão (Alfama), Maria de Lurdes Pinheiro, referindo-se à zona interdita a novos bares, apenas a Rua dos Remédios. A autarca também lamentou que, na sessão pública, tivessem comparecido mais técnicos (cinco) do que residentes – "apenas eu e três moradores" –, e que os regulamentos definam horários para o Bairro Alto, e não para outros bairros, no caso das lojas (de conveniência ou não) que à noite vendem bebidas, e onde os jovens se juntam à porta, em grande algazarra. "Isto não pode ser um novo Bairro Alto", concluiu a autarca.
"Lisboa não é um todo", critica Luís Monteiro, referindo-se à portaria só aplicável ao Bairro Alto. "No Conde Barão, que já é freguesia de São Paulo, mas que tem influência na de Santos, há ali uma linha de montagem. O vidro que por ali corre à noite é uma arma e de manhã é lixo."
Antenas de TV fora, ar condicionado escondidoA proposta de alteração de regulamento dos planos de urbanização quer que o horizonte dos núcleos históricos dos bairros seja limpo de antenas de televisão, da mesma forma que impede a colocação de aparelhos de ar condicionado salientes nas fachadas dos edifícios. Sob o título "instalações especiais", diz o articulado que os utentes do serviço de distribuição de televisão por cabo que tenham instalado no prédio antenas individuais de recepção de emissões por via hertziana ou por satélite (parabólicas), já sem utilidade, devem retirá-las dentro do prazo máximo de seis meses. Não especifica, porém, aquelas que servem televisores antigos e que requerem antenas para recepção das emissões de televisão digital terrestre. Já no que se refere à construção de novos edifícios, ou em qualquer tipo de obras, também interdita a instalação de equipamentos de ar condicionado salientes em relação ao plano da fachada, em varandas, beirados, platibandas ou cornijas.