Estudo diz que leis anti-corrupção em Portugal estão "viciadas" à partida

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Foto: Miguel Madeira

Apesar dos “esforços”, traduzidos na produção de legislação, muitas das novas leis “estão viciadas à nascença, com graves defeitos de concepção e formatação”, o que as torna “ineficazes”, acrescenta o documento produzido pelo Sistema Nacional de Integridade (SNI), constituído por entidades públicas e privadas e elementos da sociedade empenhadas no combate à corrupção.

O trabalho, inédito em Portugal, conclui que o combate à corrupção “está enfraquecido por uma série de deficiências” resultantes da “falta de uma estratégia nacional de combate a esta criminalidade complexa”.

“Nenhum Governo até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos e de intenções simbólicas”, acrescenta.

A ‘cunha’ e a troca de favores está “institucionalizada” entre “colegas do mesmo Governo”, conclui também o relatório do SNI.

“A plêiade de actores é enorme, a monitorização de conflitos de interesse é inexistente”, acrescenta o texto no capítulo dedicado ao executivo governamental, onde recomenda ao Tribunal de Contas que faça um estudo comparativo entre o número de assessores do Governo no início e no fim dos mandatos. Mesmo quando interpelado sobre as nomeações, “o Governo não costuma revelar estas informações”, lê-se ainda.

A questão dos recursos financeiros no que toca ao executivo “coloca-se numa perspectiva de excesso de gastos e não de insuficiência de receitas”. “Não existem tectos máximos para a despesa de cada ministério, o que leva a um descontrolo da despesa pública”, concluem os autores.

Independência em causa

Neste relatório, é recomendado o fim da norma que permite reduzir o ordenado dos magistrados e a nomeação do procurador-geral da República pelo Parlamento.

No primeiro caso, os autores do documento consideram que a lei que permite reduzir o vencimento-base dos juízes “abre uma janela” para o controlo do poder judicial pelo Governo e pela Assembleia da República, colocando em causa a independência dos magistrados judiciais consagrada na Constituição.

O exemplo apontado é a Lei do Orçamento de Estado de 2011, que estabelece cortes nas remunerações na função pública e nas empresas estatais, que, no caso dos juízes, varia entre os 3,5% e os 10%, além de uma redução de 20% em subsídios, quando nos funcionários públicos esse corte foi de 10%, o que foi interpretado como uma discriminação por parte dos magistrados.

O relatório português insere-se numa iniciativa da organização Transparency International, que se desenvolveu noutros 24 países europeus e que em Portugal foi realizado pela associação Transparência e Integridade, pelo centro Inteli-Inteligência e Inovação e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Reflecte o tratamento dado a cerca de quatro dezenas de entrevistas a personalidades de diferentes sectores de actividades, que vão desde o Provedor de Justiça a magistrados, juízes, dirigentes de organismos estatais, professores universitários e jornalistas, entre outros.