Regras para acesso ao Ensino Superior através do recorrente voltaram a mudar

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Nuno Crato Miguel Manso

Dois directores de colégios particulares com ensino recorrente comentaram a nova alteração de regras de acesso ao superior, determinada por uma portaria ontem publicada, considerando que, ao pretender dificultar o acesso a Medicina a alunos que já tinham terminado o secundário, o Ministério da Educação acabou “por prejudicar os estudantes para quem aquela modalidade de ensino foi concebida e que agora ficam em desvantagem em relação aos colegas do regular”.

“Desde que surgiu o escândalo das entradas de alunos em Medicina através do recorrente, a sequência de trapalhadas tem sido tal que só se entende como resultado do desconhecimento desta realidade”, afirmou, em declarações ao PÚBLICO, Ana Maria Cunha, que dirige o Colégio D. Dinis, no Porto. Esta directora, para quem o presidente da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (por se encontrar fora do país) remeteu o PÚBLICO, considera que, “pelo contrário, os candidatos a Medicina com secundário concluído ficam beneficiados em relação ao que estava determinado em Fevereiro”.

Quando fala do “escândalo” das entradas em Medicina, a directora refere-se ao facto de este ano lectivo 225 estudantes terem ingressado nas universidades e institutos politécnicos através do ensino recorrente, uma modalidade de ensino concebida para proporcionar uma oportunidade a adultos que abandonaram precocemente o sistema educativo. Daqueles, muitos eram jovens que no ano anterior se tinham candidatado ao superior com médias do secundário a rondar os 18 valores e que um ano depois, em Agosto, se apresentaram a concurso com média de 20 relativa ao 10º, 11º, e 12º anos.

Aquela situação foi possível porque, através do recorrente, os jovens conseguiram fazer de novo todo o secundário no prazo de um ano (embora numa área de estudos diferente) através de provas avaliadas por professores dos colégios, sem fazer qualquer exame nacional. Muitos entraram em Medicina, ultrapassando os colegas do ensino regular.

Quando aquilo foi noticiado, em Outubro, o ministro da Educação, Nuno Crato, considerou que “apesar de legal” a situação era “imoral”. E prometeu corrigir o problema ainda este ano lectivo. Só em Fevereiro, no entanto, foi publicado o diploma que alterou as regras: aos alunos do ensino recorrente que quisessem completar o secundário continuavam a bastar as notas de frequência; todos os que quisessem prosseguir estudos teriam de fazer exames nacionais para completar aquele ciclo, como os colegas do ensino regular.

A informação lançou o caos nos colégios: “Alguns dos alunos que já tinham o secundário concluído e estavam a tentar entrar em Medicina anularam a matrícula, os restantes ficaram sem saber a que disciplinas tinham de fazer exame”, relatam Ana Maria Cunha e Hipólito Almeida, director do Externato Luís de Camões. A confusão – agravada pela obrigatoriedade de os alunos fazerem todos os exames na primeira fase – obrigou o MEC a reformular o calendário de exames e prorrogar o prazo de inscrição nas provas nacionais, no início de Março.

Os protestos, no entanto, não acabaram. Os alunos que já tinham concluído o curso na área Científica e Tecnológica e se haviam matriculado agora na de Humanidades ou de Ciências Sócio-Económicas (apenas para subir a nota de candidatura) viram-se na obrigação de fazer exames com que não contavam; e, para mais, exames sobre matéria de um a três anos de disciplinas do seu plano de estudos, como História, Geografia, Economia, etc, que na realidade não tinham estudado.

Esse problema terá ficado resolvido com a portaria de ontem, como admite Ana Maria Cunha. Aqueles estudantes, para quem já não conta a nota de frequência no recorrente para a candidatura à universidade, não terão de fazer provas nacionais às disciplinas correspondentes ao plano de estudos que estão a frequentar. Excepcionalmente, este ano, podem optar por realizar exames “a duas disciplinas bienais de qualquer plano de estudos dos cursos científico-humanísticos do ensino recorrente” ou a apenas uma dessas e a Filosofia, determina a portaria. Isso implicou que, mais uma vez, fosse agora aberta a possibilidade de mudanças na inscrição para a realização de exames.

Ana Maria Cunha frisa que a possibilidade de escolher outras disciplinas que não a do seu plano de estudos, nova em relação ao que se previa em Fevereiro, “cria mais uma alternativa de candidatura aos alunos que tinham o secundário concluído e pretendem entrar em Medicina”. Ao contrário do que acontece com os alunos do ensino regular, que nunca se libertam das notas (boas ou más) do secundário, estes estudantes podem candidatar-se apenas com as notas de exames que fizerem no final deste ano.

Feito este balanço, os dois directores dizem que “quem fica verdadeiramente prejudicado” são os alunos que se matricularam no recorrente para fazer todo o secundário e seguirem para o superior. “Por norma não são alunos excepcionais e têm notas relativamente baixas nos exames”, nota Ana Maria Cunha. Por um lado, até agora estes não tinham de fazer qualquer prova nacional para completarem o ensino secundário; para além disso, a fórmula de cálculo ontem revelada em portaria “determina um peso menor das notas internas em relação à do exame na nota final do secundário, em comparação com o que se passa no ensino regular ”, dizem os directores.

Hipólito Almeida continua “chocado com as consequências das alterações de regras, a meio do ano, em relação aos candidatos a Medicina, que estavam a recorrer a uma alternativa legal para subir a nota” – “Praticamente já só há recorrente no privado e os pais destes alunos, quando matricularam os filhos, estabeleceram um contrato e pagaram para terem uma determinada contrapartida”, considera.

Ana Maria Cunha diz-se mais preocupada com os alunos que usaram o recorrente para terminar o secundário. Diz ter uma noção muito clara dos problemas causados pelo sistema anterior, na medida em que “uma belíssima aluna” do ensino regular do seu colégio, “que tinha uma nota mais do que suficiente para entrar em Medicina no Porto e não se candidatou a outra faculdade, ficou de fora por ter sido ultrapassada por colegas do recorrente” que estudavam no mesmo estabelecimento de ensino.

Notícia corrigida às 14h38

: corrigido no sétimo parágrafo a referêcia ao número de anos de matéria que têm de ser estudados; em vez de três anos, clarifica-se que a matéria vai de um a três anos, conforme a disciplina.

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