Hospitais devem receber menos por cesarianas sem justificação clínica

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Grupo de peritos propõe penalizar hospitais por cesarianas sem justificação Nelson Garrido

A percentagem de partos por cesariana está a baixar em Portugal, mas ainda está longe da média da maior parte dos países europeus. Para que a taxa de cesarianas diminua de uma forma mais expressiva, o grupo de peritos que estudou a reforma hospitalar acaba de apresentar uma proposta ousada: os hospitais públicos devem ser penalizados financeiramente sempre que optarem por este tipo de partos sem justificação clínica.

Quando fizerem cesarianas sem que haja uma indicação médica, as unidades de saúde públicas devem ser pagas pelo preço estabelecido para o parto vaginal (mais baixo), uma forma de os desincentivar a optar pelo parto cirúrgico que representa um custo acrescido, além de implicar alguns riscos para a mãe e para a criança.

Esta medida "de qualidade" será garantida através de auditorias clínicas, propõe este grupo de especialistas no relatório sobre a reforma hospitalar que está em discussão pública até ao final deste mês. Os peritos sugerem ainda que os hospitais analisem e encontrem justificações para as taxas elevadas observadas já durante o primeiro trimestre de 2012 e que tomem "medidas adequadas" até ao final do ano. À Direcção-Geral da Saúde e às administrações regionais de Saúde caberá a monitorização destas medidas através de um "acompanhamento mensal".

Quanto à taxa ideal, essa não vem referida no relatório, mas o coordenador deste grupo de trabalho, José Mendes Ribeiro, situou-a recentemente nos 20%. Especialistas ouvidos pelo PÚBLICO consideram, porém, que uma descida desta ordem seria demasiado abrupta e radical. Até porque já há trabalho feito nesta matéria, que tem dado frutos bem visíveis, nomeadamente a inversão da tendência de crescimento. "Isto será desejável a longo prazo, não pode ser feito de um momento para o outro", defende Nuno Montenegro, director do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital de S. João (Porto). O obstetra lembra que já está ser feito "um esforço diário" nas unidades de saúde para diminuir a percentagem de cesarianas.

Após anos de subida sucessivas nas percentagens deste tipo de partos nos hospitais, em 2010 foi criada na região norte uma comissão para a redução da taxa de cesarianas. O resultado foi encorajador: de uma percentagem inicial de 36,05% no primeiro semestre de 2010 chegou-se aos 30,48% no primeiro trimestre deste ano, prevendo-se que até Dezembro este valor seja já inferior a 30%. E a ideia inicial era que este esforço fosse alargado a nível nacional. Mas, devido à mudança de Governo, a comissão está desde há alguns meses a aguardar indicações da tutela para saber se o trabalho é para prosseguir e em que moldes. "As indicações têm sido positivas, mas está tudo em banho-maria", disse ao PÚBLICO o coordenador deste grupo, o obstetra Diogo Ayres Campos.

Uma das medidas propostas por esta comissão passava, aliás, pela equiparação das quantias que são pagas aos hospitais pelos partos vaginais e por cesariana para alterar a tal condição que pode ter efeitos perversos: os primeiros são pagos por um valor inferior aos segundos. Mas esta proposta não chegou a ser aprovada.

Quanto à meta dos 20%, Diogo Campos considera também que é demasiado ambiciosa. "É muito difícil. Seria mais realista apontar para os 25%, que é a média da maior parte dos países europeus", argumenta.

Lisa Vicente, da Divisão de Saúde Reprodutiva da Direcção-Geral da Saúde, sublinha igualmente que, para que esta diminuição seja feita "em segurança", é necessário apostar num "conjunto de medidas". "Diminuir muito pode ser arriscado", observa, para garantir que a DGS continua "empenhada" em alargar a experiência do Norte ao resto do país.

De qualquer forma, a nível nacional, nos últimos tempos a tendência tem sido de uma diminuição sustentada das taxas de cesarianas nos hospitais públicos (nos privados os últimos dados apontavam para percentagens superiores a 60%).

Mas os valores nos estabelecimentos de saúde públicos variam muito de unidade para unidade: há hospitais com taxas já pouco superiores a 20%, como o Garcia de Orta e o de Castelo Branco, enquanto outros registam quase o dobro, nomeadamente o Amadora-Sintra, o de Évora e o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, de acordo com os últimos dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde, relativos a Setembro deste ano. "Esta análise não pode ser nua e crua [unidade a unidade], porque há hospitais cujos dados ficam enviesados porque têm casos complicados", adverte Nuno Montenegro.

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