Hospitais devem receber menos por cesarianas sem justificação clínica
Quando fizerem cesarianas sem que haja uma indicação médica, as unidades de saúde públicas devem ser pagas pelo preço estabelecido para o parto vaginal (mais baixo), uma forma de os desincentivar a optar pelo parto cirúrgico que representa um custo acrescido, além de implicar alguns riscos para a mãe e para a criança.
Esta medida "de qualidade" será garantida através de auditorias clínicas, propõe este grupo de especialistas no relatório sobre a reforma hospitalar que está em discussão pública até ao final deste mês. Os peritos sugerem ainda que os hospitais analisem e encontrem justificações para as taxas elevadas observadas já durante o primeiro trimestre de 2012 e que tomem "medidas adequadas" até ao final do ano. À Direcção-Geral da Saúde e às administrações regionais de Saúde caberá a monitorização destas medidas através de um "acompanhamento mensal".
Quanto à taxa ideal, essa não vem referida no relatório, mas o coordenador deste grupo de trabalho, José Mendes Ribeiro, situou-a recentemente nos 20%. Especialistas ouvidos pelo PÚBLICO consideram, porém, que uma descida desta ordem seria demasiado abrupta e radical. Até porque já há trabalho feito nesta matéria, que tem dado frutos bem visíveis, nomeadamente a inversão da tendência de crescimento. "Isto será desejável a longo prazo, não pode ser feito de um momento para o outro", defende Nuno Montenegro, director do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital de S. João (Porto). O obstetra lembra que já está ser feito "um esforço diário" nas unidades de saúde para diminuir a percentagem de cesarianas.
Após anos de subida sucessivas nas percentagens deste tipo de partos nos hospitais, em 2010 foi criada na região norte uma comissão para a redução da taxa de cesarianas. O resultado foi encorajador: de uma percentagem inicial de 36,05% no primeiro semestre de 2010 chegou-se aos 30,48% no primeiro trimestre deste ano, prevendo-se que até Dezembro este valor seja já inferior a 30%. E a ideia inicial era que este esforço fosse alargado a nível nacional. Mas, devido à mudança de Governo, a comissão está desde há alguns meses a aguardar indicações da tutela para saber se o trabalho é para prosseguir e em que moldes. "As indicações têm sido positivas, mas está tudo em banho-maria", disse ao PÚBLICO o coordenador deste grupo, o obstetra Diogo Ayres Campos.
Uma das medidas propostas por esta comissão passava, aliás, pela equiparação das quantias que são pagas aos hospitais pelos partos vaginais e por cesariana para alterar a tal condição que pode ter efeitos perversos: os primeiros são pagos por um valor inferior aos segundos. Mas esta proposta não chegou a ser aprovada.
Quanto à meta dos 20%, Diogo Campos considera também que é demasiado ambiciosa. "É muito difícil. Seria mais realista apontar para os 25%, que é a média da maior parte dos países europeus", argumenta.
Lisa Vicente, da Divisão de Saúde Reprodutiva da Direcção-Geral da Saúde, sublinha igualmente que, para que esta diminuição seja feita "em segurança", é necessário apostar num "conjunto de medidas". "Diminuir muito pode ser arriscado", observa, para garantir que a DGS continua "empenhada" em alargar a experiência do Norte ao resto do país.
De qualquer forma, a nível nacional, nos últimos tempos a tendência tem sido de uma diminuição sustentada das taxas de cesarianas nos hospitais públicos (nos privados os últimos dados apontavam para percentagens superiores a 60%).
Mas os valores nos estabelecimentos de saúde públicos variam muito de unidade para unidade: há hospitais com taxas já pouco superiores a 20%, como o Garcia de Orta e o de Castelo Branco, enquanto outros registam quase o dobro, nomeadamente o Amadora-Sintra, o de Évora e o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, de acordo com os últimos dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde, relativos a Setembro deste ano. "Esta análise não pode ser nua e crua [unidade a unidade], porque há hospitais cujos dados ficam enviesados porque têm casos complicados", adverte Nuno Montenegro.