Descoberto calcanhar de Aquiles de algumas leucemias infantis
Não é possível imaginar pior pesadelo que uma criança com cancro. Mas nos casos de leucemia linfoblástica aguda infantil, um cancro do sangue, a doença é particularmente cruel, pois atinge sobretudo crianças entre os dois e os quatro anos de idade. Hoje em dia, segundo a American Cancer Society, graças à maior eficácia dos tratamentos, 80 por cento das crianças e adolescentes com leucemia linfoblástica aguda estão recuperados cinco anos após o diagnóstico, podendo ser considerados como “muito provavelmente” curados, mas é crucial continuar a enriquecer o arsenal terapêutico e encontrar o tratamento mais eficaz em cada caso. Agora, uma equipa internacional de cientistas, liderados por investigadores do Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, fez uma descoberta com potenciais aplicações médicas nalguns casos de leucemia linfoblástica aguda de células T, que se caracteriza por uma proliferação descontrolada dos linfócitos T, um tipo de glóbulos brancos que é um dos principais braços armados do sistema imunitário.
Sabe-se que o crescimento anormal destas células se deve a mutações genéticas, mas ainda não se conhecem todas as mutações responsáveis. Agora, a equipa de João Barata, do IMM, em colaboração, entre outros, com cientistas do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (São Paulo, Brasil), e do National Cancer Institute, em Frederick (EUA), descobriu, em cerca de nove por cento dos doentes estudados, um conjunto inédito de mutações responsáveis por estas leucemias.
“Considerados no seu conjunto, os nossos resultados indicam que [estas mutações são] um evento oncogénico envolvido nas leucemias linfoblásticas agudas de células T”, escrevem os autores num artigo publicado hoje na edição online da revista Nature Genetics.
Os investigadores também obtiveram resultados preliminares que sugerem que medicamentos já testados contra doenças como a artrite reumatóide podem neutralizar os efeitos nefastos destas mutações, travando o crescimento dos tumores associados.
As mutações agora identificadas afectam um gene dos linfócitos T que comanda o fabrico, à superfície destas células imunitárias, de certos receptores — verdadeiras antenas moleculares que, ao captarem determinados sinais químicos vindos do exterior da célula, induzem a sua multiplicação. O sinal químico é, neste caso, uma molécula que circula na corrente sanguínea chamada interleucina 7. Quando esse receptor é atingido por uma das mutações agora identificadas, os linfócitos deixam de precisar do estímulo da interleucina 7 para crescerem e se dividirem.
“Descobrimos que, apesar de ser essencial para o desenvolvimento e funcionamento das células T, o receptor da interleucina 7 também pode ter um ‘lado obscuro’ e actuar como uma espécie de Mr. Hyde”, diz João Barata num comunicado do IMM. “Em particular, descobrimos que existem mutações que levam à activação permanente do receptor da interleucina 7 numa percentagem razoável de doentes com leucemia T pediátrica [e] identificámos o mecanismo que leva a que o receptor esteja sempre activado nestes doentes [...]. Estas observações dão-nos a esperança de poder vir a aumentar ainda mais a eficácia e selectividade dos tratamentos actualmente existentes.”