Ministério pagou 72 mil euros a mulher de Alberto Martins contra parecer da PGR

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Foi o secretário de Estado João Correia quem autorizou o pagamento Foto: João Henriques/arquivo

O Ministério da Justiça decidiu pagar mais de 72 mil euros à procuradora-adjunta Maria da Conceição Correia Fernandes pelo facto de esta ter trabalhado em dois tribunais cíveis do Porto. A decisão nada teria de estranho se a magistrada não fosse mulher do ministro Alberto Martins e se a mesma não tivesse sido tomada contra os pareceres negativos do vice-procurador-geral da República e de outros membros do Ministério Público. Também o anterior secretário de Estado adjunto e da Justiça, Conde Rodrigues, tinha indeferido o pedido de pagamento de um suplemento remuneratório à magistrada por acumulação de funções.

A ordem de pagamento foi dada em 2010 pelo então secretário de Estado da Justiça, João Correia, antes ainda de haver uma decisão judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, onde corria um processo intentado pela mulher de Alberto Martins.

Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete do ministro da Justiça garantiu ontem que "não deu qualquer instrução sobre qualquer dos 39 processos despachados em 7 de Junho de 2010 pelo então secretário de Estado da Justiça [João Correia, que sucedeu a Conde Rodrigues no cargo] em matéria de acumulação de remuneração dos magistrados judiciais e dos magistrados do Ministério Público". "Sendo casado com a senhora procuradora Maria da Conceição Correia Fernandes, [o ministro] observou rigorosamente o dever de não intervir em qualquer fase do processo de decisão relativo à pretensão por esta apresentada", assegurou.

Ministro chama inspecção

O gabinete de Alberto Martins revelou ainda que, "tendo sido agora suscitadas dúvidas sobre a legalidade da decisão, o ministro da Justiça de imediato determinou à Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça que, com celeridade, apure em toda a extensão as condições em que as decisões foram tomadas e os respectivos fundamentos legais".

Confrontado com esta informação, João Correia garantiu ontem ao PÚBLICO que o ministro nunca lhe deu "qualquer instrução para despachar o processo da mulher ou de outra pessoa qualquer". "Nem eu admitia. Nunca dei nenhum despacho em função do nome das pessoas - nem sei o nome da mulher e mal a conheço", acrescentou. Interrogado sobre qual o parecer em que se baseou para autorizar o pagamento a Maria da Conceição Correia Fernandes, João Correia respondeu: "Não me lembro de nenhum despacho em concreto - foram centenas -, mas todos os despachos foram dados em função de pareceres prévios ou da PGR, de uma decisão judicial ou do meu gabinete". Quanto à determinação do ministro à inspecção-geral, o ex-secretário de Estado respondeu: "Fez muito bem. Isso é óptimo. Não tem problema nenhum. Se dei parecer é porque estava bem informado. Assinei sempre com base na informação dos serviços".

Maria da Conceição Correia Fernandes foi procuradora adjunta no 2º juízo cível do Porto e a partir de 15 de Setembro de 2003, passou a assegurar também parte do serviço do magistrado que se encontrava afecto ao 1º Juízo Cível, e que foi provisoriamente colocado nas Varas Cíveis da Comarca. O trabalho deste magistrado foi então dividido pelos outros três procuradores que trabalhavam nos juízes cíveis. A acumulação de serviçou levou a magistrada a requerer, só em Outubro de 2007, ao então ministro da Justiça, Alberto Costa, a concessão da remuneração suplementar prevista no Estatuto do Ministério Público.

Vários pareceres negativos

Em Abril de 2008, o vice-procurador geral da República inderiu o pedido "em face das informações da hierarquia (procurador-geral distrital e procurador da República)" junto da Comarca do Porto. Em Maio de 2009, a magistrada decidiu intentar uma acção administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto exigindo que o Ministério da Justiça decidisse o seu requerimento e mais tarde, em 2010, uma outra a pedir o pagamento relativo à acumulação. Em Outubro desse ano, o então secretário de Estado adjunto e da Justiça, Conde Rodrigues emitiu um despacho negando a pretensão da magistrada. "Atento o parecere negativo da Procuradoria-Geral da República, indefiro o pedido de atribuição de suplemento remuneratório da procuradora-adjunta, Maria da Conceição Correia Fernandes, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de uma acumulação de funções".

Além de considerar que a impugnação do seu pedido viola o Estatuto dos Magistrados, a magistrada alegou que afrontou "grosseiramente o princípio constitucional da igualdade, uma vez que o ministério, no período de tempo considerado, atribuiu remunerações compensatórias a magistrados judiciais e do Ministério Público, cuja situação era idêntica ou equivalente" à sua situação. Não precisa, contudo, se isso abrange algum dos outros três procuradores que acumularam o serviço do colega que foi para as Varas Cíveis.

O Ministério da Justiça informou mais tarde o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que a magistrada "iria receber os abonos de remuneração respeitante aos períodos de acumulação de funções por si invocados no dia 21 de Julho de 2010, no valor de 72.488,45 euros".

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