Tiago João Garcia: Por que é que NÃO POSSO participar no protesto da "geração à rasca"?

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Ilustração de Nuno Saraiva

Nome: Tiago João Garcia
Idade: 25 anos
Localidade: Madrid, Espanha
Profissão: Engenheiro de software

Não vou participar porque estou longe. Mas, embora não possa estar físicamente no protesto, revejo-me nele e nas pessoas que nele participam.

Venho de uma família criada à rasca, mantida com trabalho duro e ordenados esticados até à impossibilidade. Malabarismo económico e muito apoio dos meus pais permitiram-me lutar e trabalhar para terminar o meu mestrado e ingressar nas longas fileiras de estagiários que fazem mexer o país a baixo custo económico e elevadíssimo mas desprezável custo social e humano.

Neste momento trabalho em Madrid, como estagiário, através de um programa financiado pelo Estado português (todos nós, todos os impostos por nós pagos). E se antes já sabia o quão mal Portugal estava, agora sei o quão bem poderia estar. Espanha também tem problemas económicos e sociais, agravados pela crise que se fez sentir em todo o lado. Mas Espanha soube ter inspiração e soluções, e sairá por cima. Em Espanha sabe-se que a crise vai acabar. Em Espanha sente-se que, no futuro, a crise vai acabar.

Em Portugal sente-se medo do amanhã. Vivemos com as mãos dos sucessivos PEC agarradas ao nosso pescoço, e tentamos fugir dos que ainda estão para vir. Particulares e empresas estão demasiado sufocados para conseguirem sair por si mesmos. A este sentimento apenas escapam os que supostamente deveriam ser responsabilizados. A classe política e seus associados continuam a fazer o que bem querem e lhes apetece, imunizados ao ambiente hostil em que o país vive pelo poder e riqueza acumulados, pelos cargos prestigiados (e bem remunerados) nos quais se vão revezando sucessivamente.

Portugal está à rasca. E é quando estamos à rasca que damos o nosso melhor. Os nossos líderes também precisam de se sentir à rasca. Para que dêem o seu melhor. Para que nos liderem e, mais que tudo, nos inspirem.

Cabe-nos a nós, povo, trabalhar e lutar para deixarmos de estar à rasca. Cabe aos nossos líderes inspirar-nos, abrir esse caminho e deixar-nos trabalhar para isso. Não perpetuar a precariedade, o medo, o triste e negro "fado".

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