"Eles vão matar-te"

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Correspondente do PÚBLICO foi preso no Cairo Foto: Suhaib Salem/Reuters

Nas dezenas de checkpoints anteriores tínhamos conseguido passar, apesar de a presença de um estrangeiro no pequeno Daewoo vermelho de Ahmad suscitar grande excitação. Mas via-se logo que aquele era um checkpoint que se levava muito a sério. Eram dezenas de homens armados com paus e olhares a raiar a demência.

Depois de muita gritaria com Ahmad, o meu tradutor, pediram-me o passaporte, que alguém levou, fizeram-me sair do carro, para me revistarem. Um homem de gel no cabelo perguntou com a voz sinistra que deve ter aprendido em interrogatórios policiais: "O que veio fazer a este país, sir?" Depois surgiu alguém que gritava mais alto que todos, que me fez entrar para o banco traseiro do carro. Sentou-se no da frente e dois homens instalaram-se a meu lado. Um tinha um penso no nariz e outro sangrava da cabeça. Deram instruções a Ahmad para seguir por um labirinto de ruelas, através de um bairro escuro, cheio de homens armados com bastões e ferros. Silêncio no carro. À passagem, ouvi alguém dizer-me lá de fora, em inglês: "Eles vão matar-te."

Num beco sem saída esperava-nos um grupo de homens mais velhos. A sua atitude já era hostil antes de eu abrir a boca. Isso acontecia, parecia, porque só chegava ali quem era culpado de um crime.

Gritaram-me perguntas em árabe e não esperavam pela tradução. Empurraram-me contra uma parede para poderem revistar mais recatadamente a mochila. Tiraram tudo. Só pediram a minha ajuda para ver as fotos e filmes gravados no Iphone. Não havia nada, excepto um retrato do meu filho e vários de um pastor da serra da Estrela que entrevistei há um mês. Decepcionados, desataram a gritar com Ahmad.

Empurraram-no, deram-lhe pontapés no carro. Acabaram por nos deixar à guarda de quatro homens e foram tratar de outros assuntos. Ficámos ali mais de uma hora. Ahmad chorava baixinho. "Vão matar-nos", dizia. "Acham que és um agente israelita." Então tive uma ideia. Eles que nos levassem aos militares, disse a Ahmad. Eles estão em todo o lado, decerto haveria alguns por perto.

Muita gritaria depois, estávamos de novo no carro a caminho de um posto militar. Fui entregue como um prisioneiro. De novo revistado e interrogado, desta vez com direito a tradução. Voltaram-me para uma parede, de braços no ar, em posição de fuzilamento. Mas depois deixaram-me ir. Ficaram só com a pen, um "instrumento perigoso e proibido".

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