Não foi desta que o terramoto da abstenção abalou Isna

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António Barata Dão e Maria Alice nunca falharam uma eleição João Henriques

Para os habitantes de Isna, concelho de Oleiros, distrito de Castelo Branco, votar em dia de eleições é tão tradicional como comer broa de milho com sardinhas em dias de festa. Quem pode não falta. "Só os coxos ou acamados é que não apareceram", diz António Barata Dão, que foi suplente na mesa de voto, nas eleições presidenciais de anteontem. Dos 245 eleitores inscritos, votaram 195. Nem as baixas temperaturas, nem a idade avançada da maioria dos habitantes impediram a afluência às urnas: Isna foi a freguesia com a menor taxa de abstenção em todo o país.

A mulher de António, Maria Alice Barata, nasceu em 1947, em plena ditadura. Quando fez 30 anos, já tinha visto cair o regime de Salazar e nascer a democracia, que lhe deu direito a votar. Por isso é que desde o primeiro sufrágio directo e universal, em 1976, o seu boletim nunca ficou em branco. "É uma obrigação." Mas nem todos pensam assim. Isna passou incólume pelo terramoto da abstenção, que abalou estas eleições presidenciais: 53,3 por cento da população portuguesa não votou, a taxa mais alta desde 1976.

O distrito de Castelo Branco também fica na história destas eleições por ter o concelho com mais participação. Em Vila de Rei, os habitantes das 93 povoações foram levados até às mesas de voto no transporte escolar disponibilizado pela autarquia. A abstenção ficou nos 34,3 por cento, bem abaixo do valor nacional.

Em Isna, não foi preciso transporte, porque a única mesa de voto, instalada na junta de freguesia, fica no centro da aldeia. Nem houve problemas com o cartão do cidadão, como em outras freguesias do país. "Só duas pessoas têm o cartão novo", diz António. Além disso, todos se conhecem pelo nome.

Até o padre da freguesia apelou ao voto na missa de domingo. "Disse para votarmos em consciência, mas não nos influenciou", garante Maria Celeste Fernandes. Com 75 anos, nunca falhou uma eleição. Este domingo, voltou a cumprir o dever religiosamente.

Não é a primeira vez que Isna acorre em massa às urnas. Aconteceu o mesmo em 2009, quando 235 dos 269 eleitores votaram nas legislativas. "Se não votarmos, somos esquecidos", argumenta António.

Outro habitante, João Cardoso, tinha ontem outra explicação. "Todos votam, mas é só num partido. Acho que é para agradecer ao presidente da Câmara de Oleiros [do PSD, tal como o presidente da junta de Isna] o que ele tem feito pela terra", diz enquanto faz uma pausa no lagar de azeite.

Nas eleições de anteontem, Cavaco Silvar obteve 82,11 por cento dos votos em Isna. Ficou perto dos 85,14 por cento que o Presidente da República agora reeleito recolhera aqui em 2006.

"É o melhor candidato", afirma, convicta, Maria de Lurdes Cardoso, viúva, 73 anos, vestida de preto da cabeça aos pés, tal como as três amigas que se juntaram ao sol. Maria de Lurdes não sabe ler, vota pela fotografia, mas só conhece as caras de Manuel Alegre e de Cavaco Silva. E para ela é quanto basta.

Já Francisco Barata, 81 anos quase completos, sabe de cor o nome de todos os candidatos. E se não fosse do PSD desde sempre, até teria votado no independente Fernando Nobre. "Parece ser um homem moderado", nota o agricultor, que se pudesse até votava duas vezes. Francisco ainda se lembra de quando integrou a mesa de voto, há muitos anos. "Apareciam lá dois comunistas e alguns socialistas", recorda. Mas agora os poucos eleitores que restam são quase todos do PSD.

Em 2010, Isna perdeu 11 habitantes, segundo as contas de António Barata Dão, o cantoneiro da aldeia. Só restam quatro crianças, que vão de táxi para a escola, em Oleiros, a 12 quilómetros. "Não há baptismos, os casamentos são poucos, a gente nova vai para a cidade", lamenta Francisco Barata.

A escola primária da freguesia fechou "há uns dez ou 15 anos". O que ainda funciona é o posto médico, a igreja, a casa mortuária, o lagar de azeite e a ISCA (sigla para Isna Sport Clube de Alvéolos), a associação que serve de centro recreativo. É aqui que se fazem as festas anuais, onde não faltam a famosa broa de Isna e as castanhas piladas (secas), típicas da região.

Para a festa - e para as eleições - vêm os filhos da terra, que se mudaram para as terras vizinhas, à procura de trabalho. Em Isna, falta emprego e não só. "Precisamos de um lar de idosos, que já nos prometeram", acrescenta José Manuel Martins, dono de uma das duas mercearias da aldeia. E também falta rede de telemóvel. Mas o ex-taxista sabe que Cavaco Silva pouco pode fazer por Isna: "É o Governo que manda. O Cavaco só erra por não emendar os erros do Governo."

Com a reeleição do candidato apoiado pelo PSD e pelo PP, João Cardoso só espera que, pelo menos, as coisas "não fiquem pior do que estão". E recorda o discurso que Cavaco fez na noite da vitória, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. "Disse que ia apoiar a juventude, espero que cumpra."

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