Mário Lino “ordenou” ao presidente da Refer resolução do conflito com Godinho

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Mário Lino Paulo Ricca/Arquivo

O procurador da comarca do Baixo-Vouga Carlos Filipe mandou abrir um inquérito, na passada terça-feira, ao ex-ministro das Obras Públicas, Mário Lino, por suspeitas de crimes de corrupção ou de abuso de poder. Em causa estão as alegadas pressões que o ex-membro do Governo de José Sócrates terá feito junto da então secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, e do presidente da Refer, Luís Pardal, para resolver o conflito entre esta empresa pública e o grupo de Manuel José Godinho, um dos seus principais fornecedores de sucata.

“Importa apurar se o então ministro Mário Lino teve uma interferência no processo de reestruturação da Refer ou outro tratamento de favor, factos susceptíveis de integrar, em abstracto, os crimes de corrupção ou abuso de poder”, diz o magistrado do Ministério Público (MP), segundo noticiou ontem a edição digital do semanário Sol.

A intervenção de Mário Lino é uma das novidades do despacho de acusação neste processo, que anteontem foi conhecido. O MP de Aveiro diz que, antes de 30 de Julho de 2009, “Mário Lino comunicou a Armando Vara [então vice-presidente do BCP] e Lopes Barreira [empresário e amigo de Vara] ter ordenado a Luís Pardal que se reunisse com Manuel Godinho com vista à resolução do diferendo que opunha a Refer à O2 [a principal empresa do universo Godinho]”.

Pardal aceita encontro

O procurador Carlos Filipe recorda ainda um contacto de Armando Vara e Lopes Barreira com Mário Lino, em que o ex-administrador do BCP e o seu amigo Barreira transmitiram ao então ministro “que a Refer prosseguia o seu comportamento lesivo da O2 no concursos e consultas públicas de adjudicação de contratos de compra e venda e de prestação de serviços na área dos resíduos”.

Em causa estavam duas queixas-crime apresentadas pela Refer relativamente ao furto de material ferroviário (3.690 metros de carril e 5.275 travessas de madeira) na Linha do Tua, que deram origem a um processo judicial no Tribunal de Macedo de Cavaleiros que condenou a O2 a indemnizar a Refer em 106 mil euros. O grupo Godinho não se conformou e recorreu para a Relação do Porto. Mas, entretanto, a Refer alterou as regras de contratação, passando a afastar qualquer empresa com dívidas pendentes – uma requisito que incluía a O2 e a marginalizava.

Ainda, segundo a acusação, Vara e Barreira “procuraram persuadir Mário Lino da conveniência em destituir Luís Pardal das suas funções de presidente da administração da Refer”. Diz o magistrado que, posteriormente, “Mário Lino contactou Pardal dando-lhe conta que lhe havia chegado a informação que a Refer continuava a prejudicar a O2 (...) e urgiu-o a modificar o comportamento da Refer com a O2 (...), tendo-o, a este propósito, induzido a aceitar uma reunião com Godinho”. Os esforços de Mário Lino tiveram efeito, acabando Pardal por se encontrar com o empresário das sucatas. Mas o conflito manteve-se, tendo, entretanto, a operação Face Oculta, há um ano atrás, travado a evolução do processo.

A ex-secretária de Estado da Obras Públicas de Mário Lino, Ana Paula Vitorino, depôs no âmbito do inquérito e, segundo foi noticiado este semana, terá afirmado que o ministro e Vara lhe terão chamado a atenção para o diferendo entre a Refer e o grupo Godinho, lembrando-lhe que o empresário era “amigo do PS”. Ana Paula Vitorino, diz a acusação, ter-se-à recusado a demitir Pardal ou dar instruções para se reatarem os negócios com Manuel José Godinho.

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