Lei permite concursos de 24 horas para obras de 4,8 milhões

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Celeridade pode prejudicar transparência dos concursos Enric Vives-Rubio/ arquivo

A Câmara de Viana do Castelo lançou em Agosto um concurso público para a construção do Centro de Alto Rendimento de Surf, com um valor-base de um milhão de euros e prazo de entrega de propostas de 24 horas.

Um mês depois, a autarquia de Vila Verde lançou dois concursos públicos para a construção de escolas com preços-base a rondar os dois milhões de euros com prazo de entrega de propostas de 48 horas. O município de Alcanena lançou dois concursos públicos com prazo de entrega de propostas de 15 dias para a construção de duas estradas nacionais. Neste caso, os valores-base eram de dois e 1,9 milhões de euros.

Não foram apenas estas três câmaras que aproveitaram as alterações ao regime de contratação pública que entraram em vigor no passado dia 18 de Junho. As normas de execução do Orçamento do Estado para 2010 permitem a adopção do procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos nos casos em que o valor seja inferior a 4,8 milhões de euros e se trate de projectos co-financiados por fundos comunitários. Numa consulta aos Diários da República do último mês, podem ser encontrados, pelo menos, 12 concursos públicos urgentes, com prazos que oscilam entre as 24 horas e os 15 dias. Os valores envolvidos chegam aos 16 milhões de euros.

"Podem chamar-lhe concursos públicos urgentes, mas, na prática, estamos a falar de ajustes directos", reclama o presidente da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), que preside também à Confederação da Construção e do Imobiliário. Manuel Reis Campos recorda que, "numa obra de um milhão ou de dois milhões de euros, é impensável exigir aos interessados que apresentem as suas propostas em 24 horas". E considera "incompreensível que o Estado corra os riscos inerentes a este procedimento".

Para o presidente da Confederação da Construção, a natureza e a complexidade dos contratos de empreitadas de obras públicas "não se compadece com a ligeireza procedimental do concurso público urgente". "Este tipo de procedimento foi pensado para a adjudicação de contratos de locação, de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente. Uma empreitada não é um bem de "consumo diário", e no Código dos Contratos Públicos o que estava previsto para as empreitadas, em geral, é um prazo mínimo de apresentação de propostas de 20 dias, que poderia ser reduzido para 11 em casos de manifesta simplicidade. Uma obra de 4,8 milhões de euros não é simples. Mas agora, no limite, pode ser concursada em 24 horas. Não faz sentido!", protesta.

Reis Campos frisa que a adjudicação de obras públicas "deve sempre estar acima de qualquer suspeita" e que tal só é possível quando há regras transparentes que sejam capazes de potenciar a concorrência entre as empresas. "Só assim se garante a obtenção da melhor proposta para um dado contrato", reafirma.

O PÚBLICO tentou contactar ontem, sem sucesso, a Câmara de Vila Verde para perceber o procedimento adoptado no concurso para a construção de centros educativos. Mas na página de Internet do município encontram-se notícias relativas à adjudicação. O concurso foi publicado a 6 de Setembro e a notícia da adjudicação ocorre a 17 de Setembro, com valores inferiores ao das propostas: o centro educativo de Moure foi a concurso por 1,94 milhões de euro e foi adjudicado por 1,513 milhões, e o centro educativo de Prado foi concursado por 2,085 milhões e adjudicado por 1,605 milhões.

Uma das condições impostas pelas novas regras é a de que o critério de adjudicação das propostas seja o do mais baixo preço.

Já a Câmara de Viana do Castelo publicitava a 9 de Fevereiro a aprovação, em reunião de executivo, da adjudicação da construção do Centro de Alto Rendimento de Surf, a instalar na Praia do Cabedelo, na freguesia de Darque. O empreendimento nasceu de uma candidatura conjunta entre a autarquia e o Instituto do Desporto de Portugal.

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