Quanto mais detalhada for a Constituição, mais aprisionadas ficam a sociedade e a vida política

Os quase 300 artigos que compõem a Constituição da República Portuguesa, conjugados com o grau de minúcia a que chegam as normas ali estipuladas, fazem do texto fundamental português um dos mais (senão mesmo o mais) detalhados do mundo. E isso não traz grandes vantagens – nem ao funcionamento da sociedade nem da vida política, defende o especialista em Direito Constitucional da União Europeia Miguel Poiares Maduro.

“Os Estados escandinavos são os menos constitucionalizados, têm as Constituições mais simples, com disposições gerais, mais abertas, porque são países com uma tradição democrática muito forte e dão uma larga liberdade ao processo político.” Cabe então ao Parlamento legislar sobre as matérias, como a área laboral, justiça, saúde, educação ou defesa.

“Quanto mais alargado é o consenso sobre as matérias, menor a necessidade de plasmar no texto fundamental”, realça o jurista. Por oposição, os países que passaram por regimes autoritários, como a Alemanha, a Espanha e Portugal, “têm tendência para ser mais detalhados na Constituição – e por isso limitar a liberdade do processo político – e dar poderes ao Tribunal Constitucional para a fiscalizar”. Miguel Poiares Maduro lembra o caso da Dinamarca, cuja Constituição “tem cerca de 160 anos e só uma vez um tribunal considerou um diploma inconstitucional”.

Ter uma Constituição demasiado detalhada e hipernormativa “limita em excesso a liberdade do processo político”, levando a uma espécie de “ditadura da geração que a criou”, porque os princípios que essa geração decidiu incluir no texto irão vincular as vindouras. “Em última análise, temos um problema democrático”, comenta o jurista, lembrando as dificuldades de mudança do texto fundamental cuja revisão em Portugal exige o entendimento de dois terços dos deputados que compõem a Assembleia da República.

Além disso, “ao constitucionalizar uma questão, está-se, ao mesmo tempo, a judicializá-la: estamos a atribuir aos tribunais a última palavra sobre essa matéria porque eles têm o poder de fiscalizar a Constituição”. A única vantagem de um texto hipernormativo é a “possibilidade de, num momento histórico, proteger certos direitos”.

Miguel Poiares Maduro considera mesmo um paradoxo a intenção dos sociais-democratas: “O PSD diz querer abrir a Constituição, mas afinal quer usá-la para simbolizar determinadas propostas políticas que tem em mente – o que acaba por reforçá-la.” Classificando esta estratégia como uma “aposta de alto risco”, defende que o ideal era “fazer uma interpretação mais aberta e flexível” da Constituição sem passar necessariamente pela revisão.

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