Arquivos e casas da Estradas de Portugal abandonados e vandalizados em Queluz

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Sala principal já esvaziada Miguel Manso

Parte do arquivo da JAE, mas também processos com dois anos, já desapareceu. Papéis de gabinetes ministeriais dos anos 60, ou da concessão das auto-estradas, esperam quem os leve.

O óbvio aconteceu. Em Março do ano passado a Estradas de Portugal (EP) foi obrigada a entregar ao Ministério das Finanças as suas instalações da Quinta Nova, frente ao Palácio de Queluz e junto ao IC19. Nas últimas semanas, a dezena de habitações dos antigos funcionários despejados há ano e meio foram arrombadas e vandalizadas. Pior que isso: parte do arquivo que a EP ali tinha, e ali abandonou, jaz por terra, entre estantes derrubadas e lixo, ou desapareceu.

Para quem se interesse pela forma como o governo de Salazar recorria à realização de obras públicas para reduzir o desemprego sazonal no Alentejo, os corredores e o chão das casas da quinta transformadas em arquivo da antiga Junta Autónoma de Estradas (JAE) oferecem agora abundante documentação, sobretudo ofícios do gabinete de Arantes e Oliveira dos anos 60 com orientações e instruções de todo o género.

Mas para os interessados, ou apenas negociantes de papel velho, também lá se pode encontrar o processo completo, com muitas dezenas de volumes, da proposta apresentada em 1970 pelo consórcio liderado pela CUF no concurso relativo à concessão de um conjunto de auto-estradas (incluindo a do Norte e uma para um novo aeroporto a construir na zona de Rio Frio), num total de cerca de 500 km, que veio a ser ganho pela Brisa. Para além da proposta completa da CUF, há ali muita papelada curiosa referente a esse concurso pioneiro, cujo caderno de encargos e documentação complementar foram levantados por cerca de 150 empresas e entidades interessadas no projecto.

Por entre excrementos recentes e embalagens de vinho vazias, há no entanto processos para todos os gostos: desde litígios judiciais antigos a assuntos do pessoal da JAE e dos organismos que lhe sucederam, incluindo a Estradas de Portugal, passando por tudo o que respeita à organização da presença portuguesa na Exposição Internacional e Universal de Osaka, em 1970 (ver caixa), que teve como comissário-geral o então presidente da JAE, Manuel Duarte Gaspar.

Mais recentes, e tal como os documentos mais antigos insusceptíveis de ser destruídos ou abandonados sem obedecer às regras estritas sobre a eliminação de documentos arquivísticos em vigor, estão também disponíveis centenas de processos de licenciamento de obras com implicação nas vias públicas (por exemplo o hipermercado Feira Nova de Mem Martins), muitas delas datadas de 2007 e 2008, há apenas dois anos.

No total estão por lá muitas centenas de processos, embora esse volume corresponda apenas a uma pequena parte da capacidade das estantes vazias. O PÚBLICO tentou ontem saber se o resto foi levado pela EP, mas, por ser domingo, não foi possível contactar os seus serviços.

Quanto às casas dos antigos funcionários despejados no ano passado, contíguas ao arquivo, o cenário é de destruição: portas, vidros, loiças de casa de banho, tudo partido. "Foi para isto que nos puseram na rua?", perguntava anteontem uma reformada da JAE de passagem pela quinta.

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