Fundações: Ninguém sabe quantas existem nem o dinheiro que receberam do Estado
Em 2009, a IGF decidiu investigar e tentar apurar o universo das fundações e verbas envolvidas, mas a missão revelou-se impossível. "De acordo com o levantamento efectuado, identificámos 306 fundações de utilidade pública, na sua maioria instituições particulares de solidariedade social (IPSS) na área do Ministério do Trabalho e da Segurança Social (cerca de 60 por cento)", começa por referir a IGF no capítulo que dedicou a esta temática no seu relatório de actividades do ano passado, revelando que estas "beneficiaram, no biénio 2007/08, de subsídios de entidades públicas no montante global de 166,5 milhões de euros".
Porém, logo a seguir, a inspecção tutelada pelo ministro Teixeira dos Santos salienta que estes "dados pecam por defeito, dada a coexistência de diversos regimes de acesso ao estatuto de utilidade pública, que tem determinado a dispersão, pelas várias sedes que os tutelam, da informação sobre as entidades declaradas e que impede o conhecimento e a caracterização rigorosa do universo".
A IGF revela ainda que "a apreciação realizada permitiu constatar que os requisitos exigidos [na legislação em vigor] para que uma entidade possa ser declarada de utilidade pública integram algumas expressões vagas e indeterminadas, que dificultam a respectiva verificação em sede de instrução de processos com vista à eventual concessão desse estatuto ou da confirmação das condições para a sua manutenção".
"O acompanhamento da actividade das pessoas colectivas de utilidade pública, na perspectiva da confirmação das condições para a manutenção desse estatuto, apresenta algumas limitações decorrentes do controlo não sistemático do cumprimento dos deveres de prestação de contas a que as mesmas estão sujeitas, subsistindo dúvidas quanto às entidades abrangidas por esse acompanhamento e que devem integrar a base de dados", lê-se ainda no relatório.
Mais onze só este anoOs montantes agora revelados pela IGF indicam que as verbas entregues pelo Estado dispararam em relação aos únicos números globais conhecidos até agora relativos aos anos de 2001 e 2002: neste período os orçamentos do Estado destinaram, segundo os dados divulgados pelo Ministério das Finanças, um total de 68,8 milhões de euros.
Desde o início deste ano, o Governo já reconheceu mais sete fundações e declarou a utilidade pública de outras quatro, tendo extinguido apenas uma, de acordo os despachos publicados em Diário da República. A estas há que juntar ainda a que vai ser criada para gerir o Museu do Côa.
Estas decisões foram tomadas apesar de o Governo ainda não ter aprovado o novo regime jurídico das fundações, na sequência do trabalho que recebeu de Diogo Freitas do Amaral, encomendado depois de ter rebentado a polémica com a Fundação para as Comunicações Móveis (FCM), que gere o computador Magalhães.
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e especialista em Direito Administrativo entregou o seu trabalho em Novembro do ano passado, mas os documentos continuam em cima de uma qualquer secretária da PCM, a entidade do Estado com a tutela das fundações. O PÚBLICO anda a questionar a PCM desde Dezembro de 2009 sobre quando e o que pretende fazer com as propostas de Freitas do Amaral, mas, depois de várias insistências, só há duas semanas é que recebeu uma resposta e ainda assim nada esclarecedora (ver texto em baixo).
Gavetas cheiasNuma contagem efectuada aos despachos publicados em DR, o PÚBLICO contabilizou a criação de cerca de meia centena de fundações entre 2005 e 2009. De acordo com o número agora facultado pela PCM, esse número será superior, porque o Governo reconheceu, nestes quatro anos, um total de 63, numa média de mais de 15 por ano. O número de aprovações sobe assim para cerca de uma centena desde 2001, se contabilizarmos as reconhecidas já em 2010 e também nos dois anos de mandato do governo de Durão Barroso.
Foi no ano de 2001 que a comissão que António Guterres criou para responder ao escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS) de Armando Vara apresentou as suas propostas para moralizar a criação e acompanhamento deste tipo de entidades. De acordo com o levantamento então efectuado pela comissão liderada pelo ex-reitor da Universidade de Coimbra Rui Alarcão, existiriam 1100 fundações, das quais 750 ligadas a instituições religiosas. Além do levantamento do número de fundações, esta comissão chegou a apresentar, em Maio de 2001, um projecto de nova lei-quadro para a constituição e controlo destas entidades. Mas com a queda do governo de António Guterres, no final desse ano, os documentos perderam-se nas gavetas governamentais.
Com o escândalo da FPS já no esquecimento, as fundações foram florescendo como cogumelos. A tal ponto que, em 2007, Rui Alarcão chegou a afirmar que a necessidade de criar novas regras para a criação de fundações e acompanhamento das suas actividades era "até mais importante e urgente" do que em 2001. A comissão presidida por Rui Alarcão chegou a apresentar três anteprojectos: um com propostas de alteração ao Código Civil para as fundações privadas; outro para as privadas de direito público; e um terceiro que previa a criação de uma comissão nacional de fundações, uma entidade "desgovernamentalizada" que teria a competência de "reconhecer" as novas fundações, assim como o dever de controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais.