Governo mantém fundação que há 30 anos não cumpre objectivos

Foto
É em Albarraque, Sintra, que a FAS quer construir um hospital e um lar Lionel Balteiro

O Governo mantém, pela voz do secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, a vontade de que a Fundação António Sardinha (FAS) continue a funcionar. A FAS, instituída há três décadas por Maria Sardinha com o nome do seu marido de quem enviuvara, tinha o objectivo de construir um hospital e um centro de dia para idosos. Mas, até hoje, nunca concretizou o objectivo.

Em resposta escrita ao PÚBLICO, Marques remete para o futuro próximo a realização dos fins da fundação: "Espera-se que o projecto apresentado, e que visa a construção de uma unidade de cuidados continuados e um lar de idosos, esteja em condições de ser aprovado pela Câmara Municipal de Sintra, permitindo a abertura, a breve trecho, do concurso para início da obra. A estimativa de custos de construção é de 6.715.504,00 euros. Depois de se obter o licenciamento a construção demorará 1,5 a 2 anos."

Certo é que, já em Novembro de 2005, o actual presidente do conselho de administração da Fundação, Luís Garcês Palha, prometia que as obras teriam início no final de 2006. Passaram quatro anos. O responsável da FAS justifica os atrasos com problemas com a aprovação do projecto na Câmara de Sintra e outros entraves burocráticos. "Espero que em 2011 comecem as obras", diz.

Petições às tutelas

Não é tempo de mais? Garcês Palha atira responsabilidades para "entidades exteriores que não deixam trabalhar - e mesmo interiormente há problemas". Refere-se, sobretudo, a Rui Leitão, um dos vogais do conselho de administração - o único executor do testamento escolhido por Maria Sardinha -, e à Casa do Gaiato.

No testamento, a testadora estabelecera que, se a FAS não cumprisse os objectivos, os bens reverteriam para a Casa do Gaiato (CG). Após dez anos de inactividade, os sobrinhos da viúva foram ter com os responsáveis da CG, dando-lhes a conhecer o teor do testamento e pedindo que estes interviessem.

Sucessivas petições aos ministros que tutelam as fundações foram preparadas por Leitão e também pela CG através de um advogado (ver texto ao lado). A CG instruiu mesmo um processo em tribunal, mas este julgou-se incompetente para decidir, remetendo-a para a tutela. Apesar disso, o tribunal dizia ser "chocante" que, nessa altura (Março de 2005), tivessem já decorrido 25 anos "sem que o património tenha efectivamente revertido em favor da obra determinada".

Dez anos antes, em 95, Salter Cid, secretário de Estado do último Governo de Cavaco Silva, aceitara a argumentação e extinguira a FAS. Só que este governante não tinha competência formal para tal decisão - a tutela passara, em 1987, para a Administração Interna. O novo ministro, Ferro Rodrigues, revogou o despacho, chamou de novo a si a tutela das fundações e mandou fazer uma inspecção à FAS.

As inspecções sucederam-se como resposta às petições da CG - e um dos relatórios era particularmente violento com a instituição. Em 2002, o auditor jurídico do Ministério da Segurança Social, então já com Bagão Félix, aconselhava de novo que seria de "deferir a pretensão" da CG, "no sentido da extinção da fundação". Outras inspecções apontavam falhas na prossecução dos objectivos, mas sugeriam que se desse uma nova oportunidade. Até hoje.

Moradia em Lisboa

O secretário de Estado diz que só avalia a acção da FAS desde o início do seu mandato, em 2005. E sobre este período não tem dúvidas: "A actividade desenvolvida pelo conselho de administração foi sendo escrutinada, ao longo dos últimos anos, pelos órgãos sociais da Fundação, pela Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, pelo auditor jurídico do ministério e pelo Departamento de Investigação e Acção Penal [DIAP]."

A queixa ao DIAP foi entregue por Teresa Venda, vogal do conselho fiscal da FAS e deputada independente pelo PS. Mas não foi atendida porque estava fora das competências do departamento. Venda criticou, no conselho fiscal, as orientações do conselho de administração. Num relatório da Inspecção-Geral da Segurança Social, de Fevereiro de 2006, as relatoras dizem que os argumentos de Venda "se reputam válidos e pertinentes". Mas, a seguir, fazem um conjunto de considerações que defendem o conselho de administração.

Outro caso é o de uma moradia na Rua de Rodrigo da Fonseca, em Lisboa. A víuva deixou escrito no testamento que a moradia "jamais" deveria ser "alienada, demolida ou transformada em prédio de rendimento", antes preferindo vê-la transformada em museu, legando-a ao Museu Nacional de Arte Antiga, que não aceitou o legado. A FAS prepara-se agora para a vender, depois de anteriores tentativas falhadas devido a providências cautelares, por parte de Leitão ou da CG.

O estado de degradação agravou-se com um incêndio em 2005. A câmara intimou a FAS a realizar obras. Por isso, a fundação "decidiu alienar o imóvel, afectando os recursos financeiros à construção do complexo de Albarraque, fim principal da fundação", diz Marques, que sustenta a resolução em "dois pareceres jurídicos que concluíram pela legitimidade" da decisão.

Sugerir correcção
Comentar