Há um Velázquez desconhecido numa cave da Universidade de Yale

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O conservador de Yale refere as semelhanças entre a obra agora identificada e outra de Velázquez, “Almuerzo”, que pertence à Colecção do Museu Hermitage DR

É uma descoberta de grande impacto na comunidade artística internacional – uma tela de Velázquez, pintada nos seus anos de juventude, foi identificada no armazém de uma universidade norte-americana. O Museu do Prado guarda “um prudente silêncio” sobre o caso. A revelação é da revista “Ars Magazine”, que vem citada no jornal espanhol “El País”: foi descoberto um novo quadro de Velázquez (Sevilha, 1599- Madrid, 1660), situação que apanhou de surpresa a comunidade artística mundial, e que, a confirmar-se a sua autenticidade, se tornará na mais importante incorporação feita no último século relativamente à obra do génio andaluz.

A tela em causa terá como título “La Educación de la Virgen”, e representa Maria ainda criança a aprender a ler, com São Joaquim em fundo. O autor da descoberta é John Marciari, conservador e chefe do Departamento de Arte Europeia do Museu de Belas Artes de San Diego, tendo ela já sido autenticada por “especialistas de prestígio indiscutível”, nota o “El País”. Mas a confirmação oficial está ainda à espera do veredicto da comunidade científica especializada neste domínio.

Para defender a sua identificação, John Marciari escreveu um longo artigo na “Ars Magazine”, que já aparece citado no sítio desta revista especializada, e que sairá para as bancas na próxima semana.

O conservador norte-americano, que é especialista em arte espanhola e italiana, depois de fazer a análise detalhada da obra que estava armazenada numa cave da Universidade de Yale defende que ela contém todas as características que sustentam a atribuição da assinatura do Velázquez jovem, quando ainda vivia e trabalhava em Sevilha (onde se manteve até 1623). E avança mesmo que a data do quadro andará por volta de 1617. Vê, aliás, na “acção” representada em “La Educación de la Virgen” grandes similitudes com a de uma obra de Juan de Roelas (1560-1625), outro pintor sevilhano, da geração imediatamente anterior à de Velázquez. “Quem pintou então o quadro de Yale? À parte as referências específicas à obra de Roelas, as características técnicas dos pigmentos, o suporte e a tela apontam para um artista sevilhano do princípio do século XVII”, diz John Marciari, na reportagem da “Ars Magazine”. E acredita que esse autor só pode ser Velázquez, “que desde o início da sua carreira foi o responsável pela revolução na pintura espanhola”.

Semelhanças

O conservador do museu de San Diego refere, em abono da sua tese, as semelhanças entre a obra agora identificada na universidade norte-americana e outra de Velázquez, “Almuerzo”, que pertence à Colecção do Museu Hermitage. E assinala também a similitude daquela com outras obras do pintor dessa época, como “La Adoración de los Magos”, “La Madre Jerónima de la Fuente”, “La imposición de la casulla a San Indefonso”, ou “Cena en Emaús”.


“La Educación de la Virgen”, que estava assinalada nos registos da universidade norte-americana com a cota 1.900.43, e como sendo de “um pintor não identificado da escola espanhola do século XVII”, apresenta várias deformações que fizeram com que fosse levada para a secção de restauro do museu. Faltam-lhe, pelo menos, nota Marciari, 25 centímetros na parte de cima, tem as margens esquerda e inferior ligeiramente comidas, além de mostrar os sinais da passagem do tempo, com parte da tinta já descolorida, e marcas de ter estado sujeita aos efeitos de um armazenamento deficiente.

John Marciari ousa mesmo reconstituir o “bilhete de identidade” e a história do quadro “La Educación de la Virgen”: terá sido pintado por encomenda para o convento carmelita de Santa Ana, em Sevilha, cujo altar-mor era dedicado à Educação da Virgem; terá sido salvo, juntamente com outros bens, das inundações que em 1626 destruíram muito do património daquele templo e, saltando depois no tempo, terá atravessado o Atlântico e chegado aos Estados Unidos em 1925, a bordo de um navio da companhia de navegação de Charles Townshend – é que há no museu de Yale o registo da doação, pelos dois irmãos Townshend, de “pinturas a óleo sobre tela, espanholas, com tema religiosos, ao estilo das de Murillo [1618-1682]” – o pintor do barroco espanhol que construiu todo um imaginário iconográfico do catolicismo ibérico.

Segundo o “El País”, o Museu do Prado, a autoridade máxima num caso com a envergadura deste, guarda oficialmente “um prudente silêncio”, certamente à espera do desenvolvimento da investigação que vai continuar a ser realizada à descoberta numa cave da Universidade de Yale.

Notícia corrigida às 18h11
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