Empresa com licença de gestão ambiental deitou 10 toneladas de lixo em serras
As cerca de 10 toneladas de resíduos industriais que os voluntários do projecto Limpar Portugal retiraram, no passado dia 20, das serras da Freita e de Mansores, no concelho de Arouca, foram afinal entregues a uma empresa com licença de gestão para resíduos não urbanos, que foi declarada insolvente em Fevereiro último. O lixo era constituído essencialmente por sobras de esponjas sintéticas utilizadas na construção de bancos para automóveis produzidos por uma empresa de São João da Madeira.
Conforme o PÚBLICO teve oportunidade de testemunhar no passado dia 20, na serra da Freita, para além do esforço físico, os voluntários do Limpar Portugal também correram riscos para removerem as cerca de sete toneladas de resíduos da serra mais três toneladas de Mansores. Boa parte deste lixo tinha sido lançada para escarpas íngremes, de difícil acesso e, para complicar ainda mais a recolha, no passado dia 20 choveu com intensidade e o nevoeiro era muito cerrado.
Descarga recenteConhecedores da serra da Freita, os voluntários notaram que aquelas 10 toneladas tinham sido ali colocadas pouco tempo antes da acção Limpar Portugal, alegadamente com o objectivo de aproveitar esta iniciativa ambiental. Enquanto um tractor com braço mecânico carregava fardos de esponjas para uma camioneta, na serra da Freita, José Cerca, de 60 anos, um professor de Português, que estava a orientar cerca de 200 alunos da escola onde lecciona na recolha de lixo, logo demonstrou a sua indignação.
"Esta descarga deve ter sido feita há cerca de dez dias. Dá a entender que as pessoas se aproveitaram da campanha para se livrarem do lixo", denunciou. Também Isabel Vasconcelos, vice-presidente da Câmara de Arouca e responsável pelo pelouro do Ambiente, relatou o seu desagrado ao PÚBLICO: "É uma situação absolutamente escandalosa e isto é uma parte negativa que ninguém imaginava: aproveitarem-se da limpeza de dia 20 para se livrarem de resíduos."
Depois de ter trabalhado décadas no Ministério do Ambiente, Isabel Vasconcelos não quis deixar este crime impune e foi, logo nesse sábado, apresentar queixa ao Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente da GNR. Porém, tal não foi necessário, uma vez que a Naturveredas, empresa que gere o Parque de Campismo Refúgio da Freita, já o tinha feito, no passado dia 8 de Março. Porém, a queixa não produziu resultados práticos nos 12 dias que decorreram entre a sua apresentação e a acção de recolha do lixo.
Isabel Vasconcelos decidiu então resolver o problema. Logo na segunda-feira seguinte (dia 22) descobriu e contactou a fábrica que produziu os resíduos e percebeu que esta pagou, em 2008, uma quantia entre dois mil e três mil euros para a empresa Transportes Pelariguense dar um destino aos resíduos.
A Transportes Pelariguense dispõe do alvará de licença n.º 84/2007/CCDRN2, válido até 3 de Outubro de 2012, que lhe permite gerir resíduos não urbanos, mas, entretanto, foi declarada insolvente em Fevereiro último.
Empresa admitiu despejoAinda assim, a vice-presidente da Câmara de Arouca conseguiu atrair Adelaide Oliveira, sócia da falida Transportes Pelariguense, aos paços do concelho, logo na terça-feira (dia 23). Adelaide Oliveira pensou que se tratava de algum interessado num BMW que colocara à venda.
Perante as acusações de Isabel Vasconcelos, Adelaide Oliveira terá ini- cialmente negado responsabilidades no aparecimento das 10 toneladas de resíduos no concelho, mas depois acabou por reconhecê-las. A autarca conseguiu, deste modo, que o lixo fosse recolhido logo na quinta-feira seguinte (dia 25), para ser colocado em aterro.
O PÚBLICO tentou, por diversas vezes, contactar Adelaide Oliveira, por telefone, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição. Já o gabinete de comunicação da GNR informou que, após a queixa da Naturveredas, esteve no local no passado dia 16, "mas não foi identificada a origem dos fardos". Entretanto, a GNR acompanhou a limpeza de dia 20 e as diligências efectuadas por Isabel Vasconcelos, garantindo ainda que "serão levantados os respectivos autos".
Limpar Portugal: 100 mil recolheram 70 mil toneladas de lixoA iniciativa Limpar Portugal, durante a qual foi descoberto este despejo ilegal, decorreu a 20 de Março. Em todo o país, cerca de 100 mil voluntários recolheram mais de 70 mil toneladas de lixo e foram identificados cerca de 13 mil pontos com resíduos, entre florestas e terrenos urbanos. A iniciativa foi trazida para o país por três portugueses que se inspiraram numa acção que teve o seu início na Estónia.