Capital da Cultura: Ganho o país, Guimarães quer agora ser uma cidade europeia

Prosseguindo um trabalho sistemático, e valorizado pela Unesco, na reabilitação urbana, Guimarães quer criar condições para atrair artistas, designers e criadores de toda a Europa, o espaço no qual pretende até 2020 ser reconhecida.

Anda um ano nas bocas dos vimaranenses: 2020. E isso pode parecer estranho quando é em 2012 que Guimarães será Capital Europeia da Cultura. Mas é precisamente por causa do evento que todos os discursos apontam para o fim da década. "A Guimarães 2012 não faz sentido se ficar encapsulada nesse ano. Terá que ser um impulso para o futuro", sustenta a professora de arquitectura da Universidade do Minho (UM) Maria Manuel Oliveira.

A arquitecta resume uma afirmação usual entre a população. Mas o discurso político também vai mais à frente do que a CEC. "2012 será um marco, mas queremos deixar algo que fique para o futuro, como a regeneração urbana", assume o presidente da câmara António Magalhães. Durante mais de 20 anos, Guimarães trabalhou para ser reconhecida a nível nacional. Agarrou-se à história e ao património para contornar os problemas estruturais de uma região marcada pela agonia das indústrias tradicionais. Hoje é uma das cidades mais reconhecidas entre os portugueses, particularmente desde da classificação do centro histórico como Património Mundial.

A afirmação internacional é o próximo passo e Guimarães quer ser "um exemplo de desenvolvimento para as pequenas e médias cidades europeias", realçou a presidente da Fundação Cidade de Guimarães na apresentação do Plano Estratégico da CEC, Cristina Azevedo. As indústrias tradicionais vão dar lugar às indústrias criativas e o objectivo é atrair uma nova geração de artistas de toda a Europa para viver na cidade. Daí a aposta na reabilitação do património e do espaço público. "O ambiente urbano e a cidade também são cultura. A regeneração urbana é um investimento que induz um estar cultural na população", define Maria Manuel Oliveira.

Continuar o trabalho de reabilitação acabou por ser "uma sequência lógica", entende António Magalhães. "O centro histórico foi um dos argumentos fortes que levou a apostar em Guimarães para este evento e queremos dar-lhe continuidade", sublinha o autarca.

O bairro dos criativos

Se 2020 anda nas bocas do mundo, a responsabilidade pode muito bem ser de Robert Scott, o presidente do júri da Comissão Europeia que escolheu Guimarães e Maribor (Eslovénia) como capitais da cultura em 2012. Quando visitou a cidade portuguesa pela primeira vez, no Verão de 2008, afirmou que o sucesso da CEC se mediria quando "em 2020 as pessoas perceberem que 2012 mudou a cidade".

Texto originalmente publicado no suplemento Cidades de 17/01/2010

Scott ficou bem impressionado com Guimarães, mas houve um projecto que o entusiasmou em particular: A revolução em curso na chamada zona de Couros. Este antigo bairro industrial, que foi um dos centros da indústria de curtumes em Portugal vai dar lugar a um pólo de ciência e tecnologia. "É um projecto imaginativo e complexo que revela um trabalho em ligação com a universidade que é pouco comum", destacou, então, aquele responsável.

O projecto é fruto de uma parceria entre a câmara e a Universidade do Minho, que o baptizaram como CampUrbis. E é o grande investimento em infra-estruturas promovido no âmbito da Guimarães 2012. Desde que a indústria dos couros faliu, o bairro estava deserto. Degradado e sem vida, era o completo aposto da área classificada pela Unesco. "Era um sarcófago", ilustra o presidente da câmara, António Magalhães. Agora será a nova jóia da cidade. "Dentro de cinco a dez anos será um espaço excepcional e verdadeiramente complementar do centro histórico", antecipa.

O CampUrbis vai estender-se por uma área de dez hectares, recuperando as velhas fábricas de curtumes. Na Primavera está pronto o primeiro equipamento, o Centro de Ciência Viva, mas o grande centro da zona de Couros passará a ser o Instituto de Design da Universidade do Minho. O velho bairro industrial vai também transformar-se num campus universitário em pleno coração da cidade.

"O facto de termos o projecto integrado na CEC será uma oportunidade para a internacionalização, que é um dos nossos objectivos. O desafio será fazê-lo a partir de uma cidade de média dimensão", assume o actual reitor da UM, António Cunha, um dos motores da parceria com a autarquia, desde que dirigia a Escola de Engenharia.

Também na zona de Couros será criada uma Agência do Design e um Centro Avançado de Formação Pós-Graduada, também associado à UM, que completam um conjunto de equipamentos ali instalados há sete anos: A pousada de juventude, o Cybercentro, e as instalações da cooperativa municipal de apoio social Fraterna.

Residência para artistas

Anda outro número nas bocas dos vimaranenses. 70 milhões de euros é o valor que será investido nos próximos dois anos nas infra-estruturas e intervenções de regeneração urbana. O objectivo é criar uma cidade amigável à criatividade, o grande mote da Guimarães 2012.

Nessa estratégia é central a criação da Residência dos Artistas, que servirá de casa aos criativos que quiserem produzir cultura em Guimarães nos próximo anos. Um prédio da rua da Rainha, no coração do centro histórico, será recuperado para esse efeito. A atracção de artistas residentes será uma das originalidades na programação artística da CEC 2012 (ver texto nas páginas seguintes).

Há um conjunto de intervenções de reabilitação do espaço público previstas. Mas nenhuma motivou um debate tão apaixonado como a do largo do Toural. A primeira proposta, apresentada em 2007, previa a construção de um parque de estacionamento subterrâneo e de dois túneis rodoviários sob a praça central da cidade. A sociedade civil mobilizou-se e discutiu o projecto em três debates públicos com centenas de pessoas.

Pouco tempo depois a autarquia anunciava a intenção de deixar cair o projecto inicial. E socorreu-se da universidade para desatar esse nó. O centro de estudos de arquitectura foi convidado a desenhar o novo projecto que, até ao final deste ano, deve entrar em obra.

"O Toural tem uma história muito rica do ponto de vista urbano. Foi sempre reagindo e adaptando-se às diferentes contemporaneidades. Queremos que continue a sê-lo", explica Maria Manuel Oliveira, a arquitecta que coordenou o projecto. Grande parte do cunho de modernidade será dado pela intervenção prevista para o piso da praça. A artista plástica Ana Jotta foi convidada a redesenhar o pavimento, utilizando as mesmas pedras de quartzo e basalto.

Além do largo do Toural, a renovação urbana vai estender-se por todo o perímetro que envolve a zona amuralhada. A primeira das obras está pronta desde Outubro, no largo do Carmo, que faz a ligação entre o centro histórico e o castelo. A área envolvente do castelo também vai sofrer modificações, com a mudança de local da feira semanal e a criação do centro de interpretação do monte Latito, o conjunto monumental que integra também o Paço dos Duques de Bragança e a capela de S. Miguel.

Euforia esvaída

Guimarães quer atrair talentos de fora da cidade, mas tem um desafio mais urgente em mãos: recuperar o ânimo dos vimaranenses. Quando em 2006, a então Ministra da Educação anunciou Guimarães como a cidade portuguesa a candidatar ao título de Capital da Cultura em 2012, a cidade recebeu a notícia com um misto de surpresa e euforia. Mas o entusiasmo ficou perdido entre o secretismo que rodeou o processo de candidatura.

Agora, dizem as associações culturais da cidade, é preciso recuperar o envolvimento da população. "Vai ser preciso ganhar os cidadãos para o desafio que se nos coloca pela frente e que não se repetirá. Há muito trabalho a fazer para conseguir que os vimaranenses assumam a CEC como coisa sua", defende o presidente da Sociedade Martins Sarmento, Amaro das Neves.

O caminho em direcção à Europa está a fazer-se de forma invisível, acredita Maria Manuel Oliveira: "Há muita gente envolvida a trabalhar nesse sentido, mas não é um movimento que se note no exterior". Enquanto não há movimento artístico, são as obras que dominam os debates na cidade. E durante dois anos Guimarães vai estar do avesso. Algo que não deixa ninguém indiferente, a começar pelos comerciantes. "Receamos que as obras previstas desertifiquem o centro da cidade", afirma Carlos Teixeira, presidente da Associação Comercial de Guimarães (ACIG), cuja grande preocupação é o estacionamento, uma vez que a renovação urbana vai fazer desaparecer cerca de 400 lugares de aparcamento.

Alguns dos problemas de estacionamento ficarão resolvidos sob a praça do antigo mercado municipal. Mas o principal motivo de intervenção no antigo espaço comercial é a criação da Plataforma das Artes, definida como uma das estruturas centrais da CEC. O equipamento ficará dividido em três áreas, com o espaço central transformado num centro de arte contemporânea. Mas existirão também espaços de trabalho para artistas plásticos e uma área de acolhimento e apoio a projectos criativos de potencial relevante. É neste espaço que será também instalado o Centro de Artes José de Guimarães. O artista plástico, nascido na cidade, cedeu parte da sua colecção de arte africana e pré-colombiana, mas também obras suas, que vão ficar expostas na Plataforma das Artes.

Quase em frente ao antigo mercado será criada a Casa da Memória. O equipamento nasce de mais uma parceria com a Universidade, que envolve também a Sociedade Martins Sarmento. Vai ser instalado numa antiga fábrica de plásticos, que recuperará funcionalidade enquanto espaço de divulgação da história e cultura locais.

Quando estes equipamentos estiverem a funcionar, Guimarães acredita ter condições para se começar a afirmar como cidade na Europa. Até lá, há um desafio de dois anos para vencer.

Texto originalmente publicado no suplemento Cidades de 17/01/2010
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