Teotónio Pereira considera que igreja do Restelo é uma aberração

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Autor do plano de urbanização do Restelo defende que a obra tem de ser travada Foto: Carlos Lopes (arquivo)

Um dos autores do plano de urbanização do bairro do Restelo, Nuno Teotónio Pereira, considera “uma aberração” a igreja que ali começou a ser construída na terça-feira. Para este arquitecto, a gravidade do caso deveria levar a Câmara de Lisboa a mandar parar a obra e a exigir outro projecto.

Desenhada pelo arquitecto Troufa Real, a nova igreja do Restelo inclui uma torre de cem metros de altura em forma de minarete e uma paleta cromática ousada, com paredes pintadas de dourado, vermelho, verde e cor-de-laranja. O edifício tem, num dos lados, a forma bojuda de um barco assente numas cornucópias que imitam ondas, numa alusão à época dos descobrimentos.

Autor de várias igrejas – uma das quais, a do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, classificada como monumento nacional –, Teotónio Pereira não tem dúvidas sobre a obra que está a nascer no Restelo: “Ofende de forma muito grave a paisagem urbana e os princípios basilares da arquitectura contemporânea.”

No seu entender, o projecto está completamente desenquadrado do conjunto urbano que planeou juntamente com Nuno Portas, nos anos 70, e, se for por diante, vai descaracterizar toda a encosta que se estende até ao rio. “Pela sua dimensão excessiva para as necessidades do local e pelo seu custo, nunca acreditei que fosse construído”, admite. “E, do ponto de vista da arquitectura religiosa, parece-me um completo disparate. A arquitectura das igrejas deve pautar-se pela pureza de formas e pela beleza”.

“Espanta-me por isso que o patriarcado e a própria câmara tenham consentido na sua construção”, prossegue. “A câmara deveria estar vigilante e defender os interesses da cidade”.

Movimento de opinião

Teotónio Pereira ressalva que lhe custa estar a criticar a obra de um colega – até porque partilha do princípio de que a liberdade de criação dos arquitectos não deve ser limitada. “Mas, perante este caso, não posso ficar em silêncio”, observa. “Devia formar-se um grande movimento de opinião para impedir esta obra”.

O PÚBLICO tentou perceber os meandros da aprovação deste projecto, cujos passos decisivos foram dados nos mandatos de João Soares e de Santana Lopes. Mas a consulta do respectivo processo camarário não foi esclarecedora. Tentámos, igualmente, chegar à fala quer com Troufa Real, quer com a vereadora de Santana Lopes que aprovou o projecto de arquitectura, Eduarda Napoleão, sem sucesso. Igualmente infrutíferas foram as tentativas para obter declarações por parte do actual vereador do Urbanismo, o arquitecto Manuel Salgado.

Em 2007, a propósito da escultura de Rui Chafes que o escritório de advogados de José Manuel Júdice colocou em frente à sua sede, na Avenida da Liberdade, o presidente da autarquia, António Costa, mostrou-se de acordo com uma sugestão do PCP para a constituição de uma comissão municipal de estética. Este organismo serviria para evitar a profusão de “mamarrachos”. A comissão, que de resto se destinava apenas à arte pública, acabou por não vingar.

Processo pouco claro

Apesar do seu exotismo, o projecto da igreja de Troufa Real para o Restelo foi apreciado pelos técnicos camarários como se de outro qualquer se tratasse. Não há, no processo consultado ontem pelo PÚBLICO na Câmara de Lisboa, qualquer referência dos técnicos nem à torre de cem metros, nem tão-pouco às cores a usar ou ao facto de a igreja ter a forma de um barco com ondas por baixo. Os funcionários apenas repararam em questões menores, como o número de lugares de estacionamento ou as taxas de construção a pagar pela igreja à autarquia. E estas, no valor de 198 mil euros, foram perdoadas, dada a finalidade da obra.

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