Vara mantém salário de 30 mil euros no BCP

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Armando Vara suspendeu funções no BCP mas mantém salário Adriano Miranda

O vice-presidente do Banco Comercial Português (BCP), Armando Vara, que é hoje ouvido pelo juiz de instrução criminal de Aveiro como arguido no processo Face Oculta, vai continuar a receber um salário de cerca de 30 mil euros brutos até ao apuramento dos factos, apesar de ter suspenso as funções.

O Ministério Público acredita que Vara integra a "rede tentacular" criada pelo empresário Manuel José Godinho para assegurar negócios com grandes empresas ligadas ao Estado, como a REN, a Refer, a Galp e a EDP. Vara, através do seu advogado de defesa, Tiago Bastos, diz que pretende "esclarecer tudo".

Depois de ontem a família Penedos, José (presidente da REN) e Paulo (assessor jurídico da PT), ter sido ouvida em Aveiro, Vara vai a tribunal prestar conta da sua inocência, "pelo que aguarda com o maior interesse as provas que as autoridades venham a exibir relativas ao meu envolvimento no processo". O procurador titular do inquérito, João Marques Vidal, irá confrontar o gestor com o alegado pagamento de dez mil euros das mãos de Godinho, no seu gabinete do BCP, no dia 25 de Maio deste ano. O Ministério Público relata no mandado de detenção que a 23 de Maio, Manuel José Godinho telefonou para a sua secretária a pedir-lhe 10 mil euros para dali a dois dias. Depois, terá sido a partir do gabinete de Vara que os dois contactaram Paiva Nunes, vogal da administração da EDP Imobiliária, com quem Godinho se encontrou a seguir.

O administrador da empresa detida pela EDP foi apresentado a Godinho por Armando Vara e terá sido intermediário no contacto, em finais de Maio passado, de um quadro da Petrogal, António Paulo Costa. Ambos terão aceite assegurar vantagens ao grupo de Aveiro em concursos e contratos públicos de empresas públicas. E em troca receberam duas viaturas Mercedes, de alta cilindrada.

Outro amigo de Vara essencial nesta rede é Fernando Lopes Barreira, fundador da Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária, com quem Godinho falava regularmente. Barreira movia-se dentro do PS, prometendo encontrar-se e falar com vários governantes e pessoas influentes, desde o então ministro das Obras Públicas, Mário Lino, à secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, até ao antigo ministro Jorge Coelho.

As armas de Vara

Foi no início de 2008 que o agora arguido chegou ao BCP pela mão do actual CEO, Carlos Santos Ferreira. A transferência da CGD, onde ocupava um lugar destacado na administração, para o banco privado surge num contexto de turbulência, com os ex-gestores liderados por Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto a serem alvo de investigação pelas autoridades. O convite partiu de accionistas do BCP, como António Mexia, da EDP, Manuel Fino, da Soares da Costa, Teixeira Duarte e Joe Berardo, e contou com a luz verde do BdP e do Governo.

Apesar de as decisões serem colegiais, Vara, como qualquer gestor executivo tem um enorme poder no banco. Depois, embora lhe reconheçam capacidade de trabalho, é visto como um corpo estranho ao sector, alguém que fez carreira na política e subiu até à gestão. No BCP, tal como na CGD, Vara assume uma relevância particular: surge como uma escolha pessoal do CEO, também ele do universo socialista, com uma linha directa aberta para José Sócrates (de quem é amigo) e com pelouros de grande conteúdo. Vara ficou responsável pelas áreas (corporate) onde se incluem as instituições do universo público e os clientes privados mais importantes, como a PT, a EDP, a Teixeira Duarte, Joe Berardo, Joaquim Oliveira ou Manuel Fino. Em causa estão activos de cerca de 20 mil milhões de euros.

Como de resto sucede na banca, este grupo de clientes tem acesso directo ao administrador com o pelouro. Em simultâneo Vara ficou ainda responsável pelos activos em Angola (Millennium Angola), onde se deslocava frequentemente, e gerindo as relações com o maior accionista do BCP, a petrolífera estatal Sonangol. Foi-lhe entregue ainda a gestão do orçamento anual da Fundação BCP, cerca de três milhões de euros, assim como a dotação para o marketing, de cerca de 16 milhões de euros. Foi por iniciativa de Vara que o BCP entrou em força no universo futebolístico, afectando cerca de 30 por cento do orçamento de marketing a apoios desportivos.

A estratégia seguida por Vara de ligação ao mundo da bola arrancou no final de 2008 quando se ficou a saber que a FPF negociou com o BCP o patrocínio da Taça de Portugal que passa a designar-se Taça de Portugal Millennium. O acordo é válido para as três épocas seguintes. Antes os direitos pertenciam à Olivedesportos de Joaquim Oliveira, cliente do BCP. O nome de Oliveira consta alegadamente das escutas policiais a conversas entre Vara e José Sócrates, que integram oito certidões extraídas pelo DIAP de Aveiro. Em 2005 Oliveira contraiu créditos no BCP entre 250 e 300 milhões de euros para comprar o grupo Lusomundo, cujos prazos de reembolso foram recentemente alvo de renegociação, estendendo-se a 2012.

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