Críticas em surdina no Parlamento à lei para dar mais dinheiro “vivo” aos partidos
Mas a anunciada unanimidade nas alterações à lei do financiamento dos partidos transformou-se num consenso com evidentes sinais de divisão no PS, PSD e CDS. Apesar das reservas, feitas em surdina por vários deputados, na hora da votação o único a levantar-se contra a lei foi o socialista António José Seguro, que rompeu a disciplina de voto da maioria.
Matilde Sousa Franco, que criticou a falta de debate interno, por a lei ter sido aprovada em tempo recorde, absteve-se. Vera Jardim, também do PS, tem reservas, e apresentou uma declaração de voto, mas não disse quais. Ao PÚBLICO, o deputado do PSD José Matos Correia assumiu as suas divergências e criticou a mudança do partido quanto à lei, de que foi co-responsável em 2003 e “apertava” o controlo. E Telmo Correia, do CDS-PP, lembrou ter sido um dos responsáveis pela anterior lei e considera esta mudança um retrocesso. Um diploma criticado abertamente pelo fiscalista Saldanha Sanches: “Voltamos às malas cheias de notas.”
Primeiro na reunião da bancada do PS, de manhã, e à tarde, após a votação, Seguro assumiu as divergências com orientação de voto da maioria. “Esta lei aumenta o financiamento privado, mas não diminui os dinheiros públicos, o que em tempo de crise deveria também concretizar-se”, afirmou o ex-ministro de António Guterres. António José Seguro trabalhou, pelo PS, a lei aprovada em 2003 que reduzia “ao mínimo” (22 mil euros) a entrada de dinheiro vivo.
A mudança hoje aprovada, alertou o deputado, “inverte este princípio” e traduz-se “numa menor exigência” quanto à justificação do dinheiro entrado nos partidos. Na reunião, Seguro alertou ainda para o risco de despesas de campanha por terceiros poderem não ser contabilizados se o candidato alegar não ter tido conhecimento ou autorizado, por exemplo, um cartaz de campanha.
A questão mais complexa é mesmo o aumento de mais de 55 vezes em relação ao tecto actual e que se aplica às quotas e contribuições dos militantes e ao produto de angariação de fundos. Uma mudança que, por consenso dos restantes partidos, permitirá ao PCP regularizar as contas da Festa do Avante!, que esbarravam nas exigências de pagamentos com cheque, por exemplo.Mas a polémica não ficou pela Assembleia e Saldanha Sanches é extremamente crítico da nova lei. “Tudo o que reduzir o controlo dos financiamentos é completamente errado e vai fomentar a corrupção dos partidos”, afirmou ao PÚBLICO, defendendo que o problema que o PCP levantava tinha solução, “o dinheiro da Festa do Avante! pode ser salvaguardado com um registo de verbas”.
Com esta alteração, Saldanha Sanches diz que a Assembleia da República faz o país regredir. “Voltamos às malas cheias de notas, das quais uma parte chega aos partidos e outra fica com as pessoas que as recebem”, afirma contundente, para sustentar que “não há razão para estas alterações, numa altura em que todos os organismos públicos estão em contenção de despesas” e quando “os partidos desperdiçam dinheiro, não há necessidade de aumentar o financiamento das campanhas”.
Saldanha Sanches vaticina ainda que “isto vai aumentar ainda mais o descrédito dos partidos na opinião pública”, pois “mostra o desinteresse em relação à opinião pública, mostra que os partidos se estão nas tintas para a opinião pública, querem é o dinheiro”.
O PÚBLICO procurou obter a reacção à nova lei de Margarida Salema, presidente da Entidade dos Contas, mas o assessor de imprensa do Tribunal Constitucional informou que Margarida Salema “não vai pronunciar-se sobre a nova lei até estar concluído todo o processo legislativo”.
Também João Cravinho, que se tem destacado na defesa do combate à corrupção, não quis comentar a nova lei quando solicitado para tal pelo PÚBLICO. Por sua vez Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, não respondeu a solicitação do PÚBLICO.