Lista de "espiões" disponível nos computadores da Presidência do Conselho de Ministros

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Centenas de funcionários têm acesso diário ao sistema Hélder Olino

Uma lista, com as respectivas fotografias, de 23 nomes de quadros do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) estava, até há poucos dias, disponível na intranet da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), onde trabalham cerca de 700 pessoas.

Uma falha de segurança que faz lembrar a revelação, em 1999, dos espiões do então SIEDM (a antecessora do actual serviço), numa lista enviada a deputados da Assembleia da República e que resultou na demissão do ministro da Defesa Veiga Simão.

A situação agora verificada foi criada depois de o director-geral do SIED, Jorge Silva Carvalho, ter feito um pedido "não classificado", em Agosto, à PCM de cartões de livre-trânsito para todos os dirigentes daquela "secreta", pedido que fez acompanhar dos nomes e das respectivas fotografias.

A secretaria-geral da PCM despachou o pedido em Outubro, solicitando um parecer jurídico sobre o pedido de livre-trânsito "a distribuir pela PCM até CD [Conselho Directivo] inclusive", afirmando ter prometido que iria ponderar a questão "até porque 'de mistério' não há nada". Acrescentava ainda que se devia "confrontar o que existe com o que a lei prevê para tentar organizar uma proposta que preveja os SIRP/SIS/SIED".

Os serviços da PCM elaboraram em Dezembro um parecer considerando que, de acordo com a lei, só o secretário-geral do SIRP tem competência para "determinar os meios de identificação dos membros do seu gabinete, funcionários e agentes do SIED, do SIS e das estruturas comuns". Mas os cartões pedidos acabaram por ser emitidos, não se sabe por quem, por que motivos e em que condições, e reproduzidos no sistema informático da PCM. Este caso já originou um pedido de esclarecimentos do BE.

"A assumida não confidencialidade dos cartões emitidos para os dirigentes do SIED e a divulgação das respectivas fotos no sistema informático da PCM corresponde a uma nova forma de apresentação dos ditos funcionários? Ou corresponde a mais um lapso caricato e bem elucidativo do nível de eficiência e confidencialidade dos hiperserviços de segurança do hipersecretário-geral?", questiona em requerimento o deputado bloquista Fernando Rosas.

Segunda identidade?

Ao PÚBLICO, Rosas levanta dúvidas sobre a motivação do pedido de livre-trânsito, que tanto pode dar acesso a cantinas, recintos desportivos ou de espectáculo - como de facto dão -, como servir de "segunda identidade" para encobrir os "espiões". O que, aliás, pode acontecer à luz da lei orgânica do SIRP, que prevê mesmo a emissão de "documentos legais de identidade alternativa", mas apenas para operacionais e não para dirigentes das "secretas", e ainda mediante protocolo entre o serviço de informações e a entidade pública responsável.

A lista que esteve disponível na intranet da PCM - a que o PÚBLICO teve acesso - identifica o director-geral e a directora-geral adjunta do SIED, ambos de nomeação governamental, assim como sete directores de serviços e 14 chefes de divisão. É possível que estas categorias possam não corresponder à realidade, uma vez que a própria lei prevê a possibilidade de as identidades e categorias serem codificadas "por motivos de conveniência de serviço e segurança".

O PÚBLICO perguntou à PCM para que fins podiam ser utilizados os livre-trânsitos emitidos por aquela instituição e se esses cartões estavam disponíveis na intranet da Presidência, mas não obteve qualquer resposta, sendo encaminhado para o SIRP, apesar de na pergunta não ter sido feita qualquer referência aos serviços de informações.

Colocadas as questões ao SIRP e ao SIED, também não obteve qualquer esclarecimento. No entanto, segundo a agência noticiosa Lusa, o SIRP considera do "foro disciplinar e criminal" a eventual divulgação da identificação de elementos dos serviços secretos militares no sistema informático da Presidência do Conselho de Ministros.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, o deputado socialista Marques Júnior, afirmou desconhecer totalmente a situação. Mas face aos dados descritos, garantiu que o órgão a que preside, que funciona na AR, analisará o caso e as medidas mais adequadas a tomar.

A centralização dos serviços de informações da República e de toda a cúpula do sistema de segurança interna na PCM, através de dois secretários-gerais que dependem directamente do primeiro-ministro, tem sido muito criticada pela oposição. Mas tanto a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, aprovada já pelo anterior Governo PSD/CDS-PP no tempo de Durão Barroso, como a Lei Orgânica do SIRP, de 2007, e a Lei de Segurança Interna, aprovada no ano passado, acentuaram este modelo.

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