João Proença: "O Estado deve cortar 20 a 40 mil funcionários"

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João Proença avisa que a flexibilidade no emprego nem sempre corresponde a maior competitividade António Cotrim/Lusa

A União Geral de Trabalhadores (UGT) concorda com a redução de efectivos na função pública, mas João Proença considera irrealistas os números avançados pelo Governo.

O secretário-geral da UGT avisa que há sectores onde será difícil diminuir o número de trabalhadores, gostaria de ver reduções nos serviços centrais de alguns ministérios e apela a uma maior mobilidade interna para reforçar os sectores mais carentes. Pede a responsabilização dos dirigentes e adianta que o Estado não pode gerir bem quando não sabe sequer quantos funcionários tem. "Um absurdo", conclui o dirigente sindical que completa dez anos à frente da UGT.

PÚBLICO - A UGT é contra a redução de efectivos na função pública (FP)?

JOÃO PROENÇA - A UGT diz desde há muito que não pode haver aumento de efectivos na função pública. E até deve haver redução, por via de nem todos os trabalhadores que se aposentem serem substituídos. Mas atenção, que os 75 mil que o Governo aponta são completamente irrealistas. Por dois motivos: porque isso implica que saiam 150 mil e nós não acreditamos isso se passe nos próximos quatro anos.

PÚBLICO - Não é possível fazer essa redução?

João Proença - Só para contabilidades imaginativas. São 736 mil funcionários, se todos entrassem regularmente nos 36 anos de trabalho, daria 20 mil por ano. Ora em quatro anos seriam 80 mil pessoas a sair. Como é que chega a 150 mil? Por cada dois entra um: parece fácil, mas não estou a ver como.

Mais um pormenor: educação, saúde, autarquias locais. Fora destes três sectores sobram perto de 200 mil funcionários. E fora outros sistemas em que não se disse haver reduções, como a Justiça e Finanças, já sobram pouco mais de cem mil. Então é aqui que se vai reduzir?

PÚBLICO - Ao apontar essas três áreas é como se dissesse que são intocáveis...

João Proença - Nessas áreas, a redução global de efectivos não vai ser fácil. Na educação poderá reduzir um bocadinho. Mas na saúde vai crescer, seguramente - vão abrir novos hospitais, novos centros de saúde. Pode baixar mil pessoas nos serviços centrais do ministério, mas abre um novo hospital e tem mil pessoas a entrar. E nas autarquias locais, não vai haver globalmente redução.

PÚBLICO - Então quantos funcionários públicos devem sair?

João Proença - Idealmente, o Estado deve diminuir 20 a 40 mil. Há trabalhadores a mais nos serviços centrais dos ministérios da Educação e da Agricultura, por exemplo. E toda a gente aponta que os serviços de segurança deveriam ser reforçados, mas seria vantajoso que a parte administrativa da PSP e GNR fosse assegurada por trabalhadores administrativos e não por polícias ou militares. Há muitas carências noutras áreas e é preciso reforçar mecanismos de mobilidade interna.

PÚBLICO - Há aí um desperdício de mão-de-obra qualificada...

João Proença - E do ponto de vista financeiro: é evidente que um polícia recebe mais do que um administrativo.

PÚBLICO - Disse que era desejável que aumentasse o emprego público dado o nível de desemprego.

João Proença - Se houvesse possibilidade, seria um bom caminho. O Estado deveria satisfazer necessidades sociais fundamentais. Mas este tem problemas de gestão, de segurança, de justiça. E depois tem todo um problema de serviços sociais.

PÚBLICO - Legislar sobre as carreiras de topo poderá estancar a entrada de mais funcionários desnecessários?

João Proença - O problema da contenção passa pela responsabilização dos gestores e pelos mecanismos de admissão. Teoricamente, para haver a admissão na FP tem de haver a assinatura do ministro das Finanças. E este tem de responsabilizar os seus directores-gerais. Enquanto o director-geral cometer ilegalidades na admissão de pessoal e não for penalizado, é a desresponsabilização total. Percebemos que um director-geral tem de recrutar uma pessoa para tarefas urgentes - e se um concurso e admissão demora dois a três anos, isso é condenar o sistema ao recrutamento precário.

O grande problema da administração pública é a total desorganização dos serviços. Nos últimos anos, todos os ministérios tiveram não sei quantas leis orgânicas, muitos serviços mudaram de nomes, fundiram-se organismos...

PÚBLICO - Por que é que isso aconteceu?

João Proença - Não sei. Cada ministro quer deixar a sua marca, mas o seguinte destrói tudo do anterior. O Ministério da Economia esteve dois anos a estudar a sua reestruturação. Depois entregou-a a uma empresa de consultores que ninguém conhece, sem qualquer experiência para isso. Pagou dezenas de milhares de contos. Aquele documento todo é para o caixote do lixo, não vai ser aproveitado nada. Tem sido a prática sistemática. E não se responsabiliza ninguém. Hoje como é que se demite um director-geral? É a coisa mais perversa: muda-se a lei orgânica e caem todos os dirigentes. É mais claro que se defina que certos directores-gerais saem com o Governo.

PÚBLICO - E não se corre o risco de incompatibilidades?

João Proença - Conhece alguma empresa que, quando entra a administração, corre com os dirigentes todos? Na administração pública há isso sistematicamente.

PÚBLICO - Esse é o problema principal que torna a máquina mais ou menos eficiente?

João Proença - Não. Esse é um problema muito importante: o de valorizar a carreira técnica superior, pondo os chefes de divisão e directores de serviço como lugares de concurso. O que aconteceu foi que o Governo PS introduziu os concursos, mas foram tão complicados e demorados que o sistema se tornou inoperacional. É necessário concursos simplificados e maior transparência do sistema.

PÚBLICO - Que reforma é necessária para que a administração responda às necessidades dos cidadãos e não se feche sobre si própria?

João Proença - Primeiro, há um problema de formação dos trabalhadores. Não acreditamos que a modernização da administração seja feita por grandes leis que na prática não mudam nada. Em segundo, tem de haver uma grande negociação entre Governo e as organizações sindicais sobre a renovação as condições de trabalho. É o problema dos salários, das carreiras, das pensões, da mobilidade, da motivação.

PÚBLICO - Haveria vantagem em uniformizar os diferentes regimes salariais?

João Proença - Todas as tentativas de uniformização têm conduzido a gastos e desmotivação. Um dos problemas é não se conhecer toda a estrutura. O Estado tem obrigação de ter dados. As últimas estatísticas da Função Pública são de 1999 e não se sabe ao certo o número de funcionários.

PÚBLICO - São 738 mil, segundo o relatório e contas da Caixa Geral de Aposentações de 2004.

João Proença - É um método indirecto de calcular, que não significa o real. Não deve incluir os contratos individuais de trabalho. Como se pode falar em redução se não se sabe quantos há? Como fixar objectivos se não sei quantos entram e quantos saem? Gestão implica conhecimento dos funcionários que tenho. O Estado não sabe. É absurdo.

PÚBLICO - Não há uma vontade política efectiva?

João Proença - Não há vontade política de haver um controlo.

PÚBLICO - Estamos governados por incompetentes?

João Proença - Não é por incompetentes. É que há uma perspectiva de administração pública que tem a ver com a lei, com a mudança de lei, que não tem a ver com as pessoas e pela resolução dos problemas.

PÚBLICO - Não se quer resolver os problemas?

João Proença - Pois, não se quer. Alguma vez viu um director-geral ser demitido por admitir pessoas ilegalmente?

PÚBLICO - Também não se viu nenhum dirigente sindical propor isso.

João Proença - É evidente que não defendemos, no aspecto de dizer o "A", o "B" ou "C". Agora defendemos que o sistema tem de ser "gerível". Da parte dos sindicatos têm sido denunciadas situações...

PÚBLICO - Então há uma certa cumplicidade sindical.

João Proença - Os sindicatos têm uma posição difícil. Se o Estado admitir dez mil trabalhadores ilegalmente, o sindicato acha que deviam ser admitidos dez mil legalmente. Mas daqui a um ano, dois ou três, estão a reclamar a integração nos quadros. Como é evidente.

PÚBLICO - Há um conflito de interesses?

João Proença - Os sindicatos têm de defender os trabalhadores que estão. Mesmo se alguns, contra a vontade dos sindicatos, são admitidos de forma ilegal, depois aos sindicatos compete defendê-los.

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