A (in)justiça da competição em Educação
Temos muitas maneiras de encorajar a superação dos alunos, dos professores, das escolas, dos agrupamentos, sem que isso signifique derrotas para ninguém.
A competição (“quase sempre oposta à cooperação, forma de interação entre indivíduos ou grupos em que cada um procura maximizar os seus próprios ganhos” in Dicionário de Psicologia, Climepsi) tem vindo a ser eleita como uma forma privilegiada de procura e de certificação da qualidade em todos os domínios da sociedade. Os países, as regiões, as instituições, os grupos e as pessoas procuram “maximizar os seus próprios ganhos” sobretudo comparando-se com situações análogas em que outros tiveram resultados diferentes. Não há dúvida que este processo competitivo foi e continua a ser um importante fator de progresso: as pessoas e as estruturas sentem-se mais motivados a superar-se se tiverem um modelo com o qual se possam comparar. A competição inspirou muitos esforços de superação, de ir mais além, de fazer mais do que era esperado. Daí ser tirada a ilação que o que vence na competição é necessariamente o mais ambicioso, o que tem mais qualidade, enfim, o melhor. Há até uma leitura enviesada da teoria da evolução ao se afirmar que há uma seleção natural em que os fortes vencem os mais fracos. Dizemos enviesada por que não é isto que Darwin defendeu: ele defendeu que quem sobrevive são os mais adaptáveis e, em muitas situações, os organismos que conseguem cooperar. Só assim se pode explicar que o inofensivo camarão tenha durado mais que o Tyranausaurus Rex.
Recentemente tem-se tornado mais difícil assumir esta posição de que quem ganha é necessariamente melhor. Dou um exemplo: fala-se muito da “vantagem competitiva dos países”. Isto significa que temos de encontrar maneira (melhorando os processos de produção, baixando o custo do trabalho, sofisticando produtos, etc.) de ganhar economicamente a outros países. Mas o assunto não é assim tão simples: sempre teremos países a quem temos que ganhar esta “vantagem competitiva” (na verdade a competição é um processo infindável): e ainda porque é preciso pensar no que se vai passar depois de ganharmos esta vantagem competitiva aos outros países? Ficam sem empregos? Entram em crise social? Em todas as versões, os problemas destes países acabam por se repercutir nos países “vencedores”. Por exemplo, qual seria o impacto para Portugal se os seus vizinhos entrassem em colapso? Assim, hoje não é possível pensar de forma linear na “vantagem competitiva”, mas sim, e sobretudo, em formas de cooperação entre países em que uns não sejam vencidos e esmagados por outros mas sim que os processos económicos sejam partilhados com vantagens mútuas. A consciência da globalização arrefeceu esta ideia que o melhor é vencer os vizinhos.
Na Educação estes processos não são muito diferentes em natureza. E deixaria algumas pistas de reflexão sobre o valor e a justiça da competição em Educação.
Antes de mais, e seguindo o exemplo acima da competição entre países, se criarmos escolas frequentadas por alunos que se prevê terem um desempenho académico alto, isso terá uma grande repercussão nas escolas da região: por um lado algumas escolas ficarão privadas de ter bons alunos e por outro lado a concentração de alunos com mau aproveitamento escolar levará a que o fosso entre boas e más escolas se aprofunde. Ora não é isso que se pretende: precisamos que todas as escolas possam dispôr de uma gama diversificada de alunos para permitir interações de relação e de conhecimento que sejam positivas para todos os alunos.
Um outro aspeto questiona a própria vantagem da competição. A competição seria boa se servisse para selecionar os melhores, não para sancionar aqueles que já eram melhores à partida. Muitas vezes é esta a “batota” que é feita na competição: reconhece-se que existem alunos que venceram, mas se analisarmos com cuidado, verificamos que eles eram “vencedores anunciados”: estes alunos tinham já à partida os instrumentos, os conhecimentos, a cultura, os ambientes que faziam prever – salvo fatores inesperados – o seu sucesso. Aqui a competição não serve para selecionar os melhores, mas para legitimar as vantagens competitivas que uns alunos tinham sobre os outros.
Vale a pena ainda pensar no que se perde quando se elege como valor prioritário a competição. O que se perde em colaboração, em cooperação, em aprendizagem e em solidariedade. Quando se torna a competição dominante, isso faz-nos perder elementos imprescindíveis da Educação: antes de mais a convicção que nos podemos enriquecer com os outros nem que isso não nos traga vantagens imediatas. Podemos até pensar que não é possível fazer valer os Direitos Humanos (que falam expressamente em “fraternidade”) se considerarmos que a força motriz da humanidade e das sociedades é esta maximização dos nossos resultados face aos outros.
Não é, certamente, razoável erradicar a competição das nossas escolas. É uma cultura que está profundamente embrenhada nos nossos valores e nas nossas práticas. Vamos sim encontrar outras formas e outros objetivos para competir: vamos encorajar os alunos, os grupos e as escolas, para fazerem melhor do que fizeram antes, vamos pôr os grupos a competir para alcançar projetos de maior solidariedade, projetos mais participados, projetos mais úteis. Vamos incentivar as escolas a competir pela irradicação do bullying, pela participação democrática da comunidade escolar nas decisões importantes, vamos competir pelos resultados da inclusão em toda a escola.
Temos enfim muitas maneiras de encorajar a superação dos alunos, dos professores, das escolas, dos agrupamentos, sem que isso signifique derrotas para ninguém. É que as derrotas ficam muito caras mesmo para quem ganha.
Presidente da Pró – Inclusão /ANDEE, Conselheiro Nacional de Educação