Os erros do provedor nos encómios ao patrão
Vou aproveitar para versar um assunto que me parece, no caso português, até deveria ser mais tratado. Ainda mesmo pelos provedores e na defesa da ética e deontologia no exercício da informação mediática: os empresários dos media portugueses.
A semana passada tive um erro lamentável na secção Correio Leitores/provedor. Na intenção de discordar e até repudiar o hábito da imprensa em focalizar as ligações familiares mais fortes a individualidades com acusação dos tribunais ou das polícias do eventual cometimento de crimes, escrevia eu: “Não percebo o rigor jornalístico que de cada vez que dá notícias ao eventual envolvimento de Paulo Santana Lopes no caso da Operação Rota do Atlântico tem de fazer referência que é irmão de Pedro Santana Lopes”. E a seguir vem o meu espalhanço imperdoável: “Ainda bem, e com isso me congratulo, que o PÚBLICO baniu essa prática”. Com toda a propriedade o leitor José Pereira da Costa vem castigar-me quanto ao erro que, efectivamente, só por leitura leviana, caí nele. De facto, não o deixo de repudiar agora e pedir ao PÚBLICO que acabe decididamente com essa prática. Nas duas notícias referentes ao assunto e publicadas a 9 e 12 de Fevereiro de 2016, o PÚBLICO, logo a seguir ao nome de Paulo Santana Lopes, acrescentava o laço familiar: “irmão do ex-primeiro ministro”. Aceito a penalização infligida pelo leitor. Mas, como não estou de acordo com outras alusões que faz, vou aproveitar para versar um assunto que me parece, no caso português, até deveria ser mais tratado. Ainda mesmo pelos provedores e na defesa da ética e deontologia no exercício da informação mediática: os empresários dos media portugueses.
Porém, antes de mais, enunciemos o e-mail do leitor: “Palavras para quê? PoiZé, o zeloso provedor continua a não ler quem lhe paga e, assim, reitera os encómios ao patrão, que já o mandou para a 2.ª feira, desta vez ao dizer que deixaram de referir Paulo Santana Lopes como irmão de Pedro Santana Lopes (o que eu acho que e mais um exemplo do jornaleirismo que se vai fazendo, e não exclusivo vosso), quando no último texto sobre o assunto, (12/2/2016, pp.16) lá aparece aquela expressão familiar, logo no 1.º parágrafo. Que continue a congratular-se”.
Por certo, e com toda a justiça, não me faltam e faltarão outras situações para tecer encómios ao PÚBLICO. Todavia, no caso presente, os encómios ou antes as reprovações teriam de ser dirigidas à direcção e aos responsáveis editoriais.
Não tenho nenhuma ideia preconcebida de que os empresários dos media portugueses sejam uns “malfeitores” exploradores de um ramo de negócio de compensadores lucros. Tenho até a ideia de que, hoje, comercialmente, se dedicam a um “negócio falido”. E não é só os da imprensa escrita. Basta conhecer-se um pouco a turbulência de restrições financeiras a forçar novos mapas organizativos e substituição de consagrados CEOs, conforme se está a passar por dentro daqueles que são considerados ainda os grandes grupos (?) no meio televisivo, para levantar perplexas interrogações. Para mim, certo ou erradamente, penso que estes empresários não são movidos pelo negócio financeiro que esta actividade representa. Representa sim um outro campo de movimentação de dinheiros e de conquista de espaço de poder, obviamente, requisito importante para tantos outros interesses. Provavelmente, o mais grave, não será o intervencionismo que os empresários, directa ou indirectamente, ensaiam sobre os directores e profissionais ao serviço das empresas. O mais grave é no espectro geral de crise de negócio que marca este sector, o que se reflecte nas restrições económicas e financeiras impostas sobre o apetrechamento técnico e humano das suas organizações. Vai-se o lucro do “negócio falido”. Preserva-se o do “negócio” do espaço de poder da opinião. Por isso, ainda há dias lembrava: na produção informativa o mais caro não é a opinião; é o tratamento aprofundado da notícia ou da reportagem. Mas também, aqui, eu creio, que há empresários com comportamentos de maior ou menor cumprimento ético. E talvez neste campo, não sou eu, o provedor de um jornal que, apesar de tudo, é um jornal bastante comprometido com o seu público, que deva testemunhar. Só posso garantir que sobre mim, neste papel, ninguém interfere.
Nunca pretendi, aliás não tenho elementos empíricos para isso que, no seu conjunto o jornalismo português, os jornalistas (os fazedores de opinião é outra questão), neste contexto em que o eleito Presidente da República vem repetindo “que estamos perante dois países”, estão mais preponderantemente ao serviço da direita ou da esquerda. O que acho é que face aos condicionalismos com que trabalham, “colam” por demais ao poder e ao discurso dominantes e enredam-se nas circunstâncias adversas em que os tempos mudam mais depressa que os “status quo” estabelecidos. Não tenho dúvidas que se os jornalistas fossem eles próprios “os donos” dos seus meios, esse exercício seria diferente. Mas, se importa não ser ingénuo, também importa não ser utópico. E, hoje, o sistema informacional-comunicacional dominante em que estamos só vive num quadro de sustentabilidade empresarial. E neste sector de actividade as coisas continuarem a modificar-se como estão, com uma revolução ainda pouco perceptível por todos na produção e difusão informativa, é caso para temer que ainda antes das empresas de media, venha a desaparecer a actividade destes empresários, retirando -se de um negócio que não lhes dá os lucros procurados.
Relembro-me, muitas vezes, das palavras do comunicólogo brasileiro, Wilson Gomes: “Pensamos o jornalismo, como ainda estivéssemos dois dias antes das revoluções burguesas, exaltando a opinião pública, a liberdade de imprensa e de interesse público praticamente no mesmo sentido que essas categorias eram usadas há duzentos anos. Parecem vozes de outros tempos e de outro jornalismo: a afirmação do jornalismo como a única mediação confiável entre a esfera civil e o Estado, a função do jornalismo adversário da esfera governamental, tudo isso se mantém no imaginário e no discurso por uma estranha e inquietante inércia discursiva”. Mas o mundo, mesmo o mediático, é o que é.
Os limites de intervenção do provedor dos leitores.
Escreve-me o leitor Arie Somsen o seguinte: “Fiquei espantado com o artigo que escreveu no PÚBLICO a 15 de Fevereiro de 2016. De facto, o senhor é PROVEDOR DO LEITOR, e não conselheiro de jornalistas, a não ser que a redacção lhe tenha atribuído este cargo, sem conhecimento dos leitores”. (…)
Aproveitei a oportunidade para manifestar junto do leitor a minha discordância com a redução que faz e como interpreta o papel do provedor dos leitores. Se, como simpaticamente, diz que é leitor semanal e dedicado, já deve ter reparado que eu várias vezes escrevo sobre jornalismo e jornalistas em geral. Procuro na conformidade da linha internacional de outros provedores e nas recomendações da associação internacional, não me remeter apenas a queixas e respostas. Aliás, logo no princípio da minha actuação estabeleci esses princípios. O Estatuto do Provedor do Leitor do PÚBLICO estabelece no art.º 5: Está nas competências do provedor “manter uma coluna semanal (…) sobre matérias da sua competência e, em geral, da ética e deontologia jornalística”. Por outro lado, o mesmo Estatuto diz: “Esta reflexão crítica não é exercida apenas como resposta à iniciativa dos leitores, antes se exprime em análises e recomendações transmitidas sempre que o provedor julgue necessário”. Quanto ao leitor discordar da “doutrina” ou análise emitidas, tem todo o direito. Mas esta é outra questão. O leitor agradeceu o esclarecimento que, aliás, me parece útil, de quando em quando, repeti-lo.