A desdramatização conseguida

O que me confrange nesta decorrência de um período eleitoral para a definição do que deveria ser um momento forte e decisivo da conduta do nosso futuro é a apatia, o amorfismo, com que os portugueses encaram este assunto.

Na entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa ao PÚBLICO, publicada no dia 3 de Janeiro de 2016, uma entrevista com relevo e imponência que mereceu de muitos leitores a crítica de considerarem por parte do nosso jornal uma rendição de adiantada vassalagem ao candidato, pela indicação das sondagens e tratamento dos media, já considerado eleito, a responsável editorialista destacou em título a frase de Marcelo: “Se for eleito, a minha ideia é desdramatizar.”

Obviamente, como qualquer outro título, o entendimento deste só se perceberá pela leitura contextual na entrevista. Porém, a escolha do título pareceu-me até bastante inteligente para fornecer um guião de leitura a toda a longa entrevista. A seca frase em si é nomeada aquando de uma referência da importância que M.R.S., “se for eleito”, dará ao Conselho de Estado, a quem pensa recorrer muitas vezes para, à roda da mesa, “desdramatizar” as situações, porventura, criadas ou conjecturadas. Mas, em boa verdade, e numa interpretação livre e de responsabilidade de minha lavra, toda a grande linha de orientação que tiro da estratégia de Marcelo Rebelo de Sousa para a adopção do estilo que fez desta sua campanha eleitoral está inscrita na força e no imbróglio deste verbo “desdramatizar”. Fica claro, espero, a dupla dimensão que insiro a este acto de “desdramatizar”: dimensão de força (poder/capacidade) e de imbróglio. Li a entrevista, de modo sério, não sem me deixar contaminar pela intrínseca retenção à facilidade com que sempre vi em Marcelo Rebelo de Sousa, nos seus comentários televisivos, a forma simples e habilidosa com que procurava “brincar” com a minha inteligência. E reduzo à minha, pois com a dos outros seus ouvintes não me compete pronunciar. E fazê-lo até poderia ser considerado ofensivo.

Quando, agora, tomo em conta o somatório das análises críticas dos comentadores e jornalistas, e dos leitores que me escreveram sobre o assunto e que, em suma, todos referem, a frouxidão desta campanha, não posso deixar de concluir que o plano de M.R.S. — “desdramatizar” — já está conseguido. Desdramatizar a campanha, desdramatizar o que, porventura, de dramático a seguir por aí venha. Numa linguagem mais política, o que alguns classificaram foi a da habilidade de despolitizar a campanha de um acto de tremenda e inegável hierarquização política. E para a evidência deste lugar, extremamente secundarizado, que a eleição presidencial está a merecer na agenda dos media, basta olhar para as entradas dos noticiários audiovisuais ou para as primeiras páginas de um Expresso, de um Sol, de um DN, JN, Correio da Manhã, de ontem, em que entrámos na semana final deste acto. O PÚBLICO, por exemplo — um “jornal de referência” — o que até, não obstante a importância científica e sanitária do assunto, não deixa de parecer, no mínimo, abstruso, escolhe para tema do seu editorial, sob o título A praga dos empirismos, o preocupante tema do impacto real das alterações alimentares, a que dedica aliás no seu interior um dossier bem elaborado de cinco páginas. Aliás, a desfiguração da relevância mediática da campanha eleitoral, depois de uma breve chamada de 1.ª página Presidenciais sem dramatismos, nem mobilização, o destaque é retomado na 12.ª página, num dossier, bem elaborado, pelo jornalista Nuno Ribeiro, que com ironia, em subtítulo, escreve: “Há quem admita que o tom desinteressante (da campanha) pode fazer sonhar alguns nostálgicos da monarquia.” Uma frase que só por si, sem lhe tirar a graça, deveria sobressaltar, se não os portugueses, ao menos os republicanos.

E, sinceramente, o que me confrange nesta decorrência de um período eleitoral para a definição do que deveria ser um momento forte e decisivo da conduta do nosso futuro é a apatia, o amorfismo, com que os portugueses encaram este assunto. Decididamente, estão mais interessados em saber quando é que o Benfica “apanha” ou passa o Sporting de que quem vai para Belém ser nosso Presidente nos próximos quatro anos. Não é que este desinteresse seja novo. Lembro sempre que Cavaco Silva esteve em Belém durante dez anos apenas com o voto expresso de um português em cada quatro. E não é sequer (ou até é) pelas sequelas das peripécias ou resultados das últimas eleições legislativas, com engulhos traumáticos ainda muito mal curados, ou pelo modo como ainda muitos responsáveis políticos de direita e centro direita (parte incluída do PS) continuam a olhar para o actual governo da República, com suporte parlamentar, mas revestido de um tal “cai-cai” que, a qualquer momento, se desfaz. Talvez uma consciência mais exacta da “borrasca” que se está a adivinhar ou a divisar para o mundo, nestes próximos tempos, deveria ser suficiente para levarmos mais a sério e com maior atenção um estado de alerta para o nosso e dos outros próximo futuro. As migrações para quem uma Comissão Europeia, de modo fácil e vil, volta a pensar no lançamento de um “pequeno imposto”, um terrorismo que não dá tréguas e vai matando em todo o mundo pobres inocentes, que têm a má sina de estar ali, naquela hora, as guerras em episódios por esse globo fora, a crise dos países emergentes que prefiguravam a “nova era”, os novos e previsíveis “abalos sísmicos” de Wall Street, réplicas de 2008, etc. etc.

É pena: está desdramatizado o que, sem traumatismos, deveria estar dramatizado. Os momentos sérios são para ser levados a sério. Por isso, sem menosprezo pelo que, de novo, muitos leitores me escreveram esta semana, acusando benefícios a favor ou a desfavor deste ou daquele candidato, não vou voltar a pegar nalgumas queixas sobre os critérios de cobertura do PÚBLICO sobre a campanha. Na verdade, não me parece estar a haver incumprimentos deontológicos de isenção na cobertura das campanhas dos diferentes candidatos. Eu diria, as coisas têm seguido os seus “trâmites” jornalísticos. Isto sem esquecer, no seu todo, o que diria John Keane (2004): “‘Demokratia’ é uma forma de governo em que o povo é governado enquanto parece governar.”

 

CORREIO LEITORES /PROVEDOR

 

“Defeitos de corporativismo”

Escreve-me o leitor Mário Alpalhão: “Conheci-o na televisão. Entrou-me em casa e aceitei-o, porque o identifiquei como intelectualmente honesto. Mas hoje vir dizer que: “MRS está a usufruir desse ‘defeito’ INCONSCIENTE”   é desrespeitar a inteligência dos leitores. E lamento. Inconsciente??!!”

O defeito “inconsciente” a que eu fazia referência era o da acusação recebida de que MRS estava a beneficiar do “corporativismo” de muitos jornalistas.

 

Projectos em discussão pública

Reclama, e com razão, o leitor António-Pedro Figueiredo: “Na notícia publicada na edição de 14.I.16 sobre o projeto de obra para a Segunda Circular de Lisboa:

Falta, quanto a mim, uma pequena informação complementar, que deveria estar sempre presente, quando se dá conhecimento público de consultas públicas – que é o endereço electrónico aonde recorrer… para o cidadão comum enviar um contributo.

Então a notícia teria um acrescento, os interessados podem aceder, em www...... e na secção...”

Página do provedor

Perguntam-me alguns leitores por que razão a página do provedor passou para a segunda-feira. Alguns (menos atentos) até pensam que acabou. A razão é simples: como sabem, o PÚBLICO, por condicionamentos de natureza económico-financeira, passou novamente por diversas restrições em meios humanos e técnicos. Uma das consequências foi a eliminação da Revista 2, editada aos domingos. A edição de domingo teve de passar por vários ajustes. A directora do PÚBLICO, Bárbara Reis, perguntou-me se eu tinha qualquer inconveniente em a página ser publicada à segunda-feira. Eu concordei. É tudo.

Sugerir correcção
Comentar