Allo, allo” no Parlamento Europeu: I shall say this only once…

Verdadeiramente grave é que, no afã das classificações, se desvalorize a participação e o trabalho nas comissões parlamentares e nas delegações internacionais

Normalmente, recorre-se sem mais a uma série replicada de números, sem os explicar e sem os contextualizar, números que, sublinhe-se, se referem sistematicamente apenas a uma das dimensões da respectiva actividade.

Tenho por regra – com excepções contadas, claro está – não comentar nem responder a esse tipo de avaliações mais “simplistas” ou “impressionistas”. Com efeito, elas fazem parte da espiral “demagógica” e “populista” que invadiu as democracias mediáticas e diz a experiência que esconjurar essa faceta das modernas democracias é tarefa quase quixotesca. Acresce que, por mais que nos empenhemos em pôr o debate num nível institucional, essencialmente objectivo, centrado na função e não já nas concretas pessoas, sobeja e sobrepõe-se sempre a suspeita de se estar a fazer uma interessada “defesa de dama própria”. E, na pior das hipóteses, qualquer “pedagogia” ou “apologia da complexidade” pode acabar percepcionada como um “ataque aos jornalistas” – um mero episódio, em suma, da eternamente invocada síndrome da “morte do mensageiro”. Tudo o que desaconselha e desincentiva qualquer esclarecimento, correcção ou contextualização.

2. Talvez por efeito da ascensão dos populismos em toda a Europa e também em Portugal, as ditas avaliações sucedem-se agora a um ritmo quase semanal, sempre com um “ar definitivo”, mesmo quando se sabe que não passaram mais do que quatro meses sobre uma legislatura de cinco anos. Vou por isso aqui, sem qualquer empenho e muito menos esperança de convencer seja quem for, procurar levantar o véu sobre essas nebulosas. Faço-o – acredite quem quiser – sem outros desideratos. Faço-o com a inspiração da saudável série britânica “Allo, Allo”, que – na sua Babel de sotaques, caricaturas e trejeitos nacionais – tão agudamente poderia ilustrar a vida dos parlamentares europeus. E faço-o, em particular, com o espírito de Michelle Dubois, a mulher da resistência, porque, face ao populismo, é mesmo de resistência que se trata. Como ela, e porque não alimento esperanças vãs, prometo: “I shall say this only once”. Diferentemente dela, e mais uma vez porque não alimento vãs esperanças, já não me atrevo a dizer: “Listen very carefully”.  

 3. As estatísticas sistematicamente invocadas focam-se na participação em plenário – o que, desde logo, diz respeito a 1 simples semana por mês. Por mais exactas e rigorosas que sejam – e não são – deixam logo para trás três semanas de trabalho. Ou seja, quem só frequente as sessões plenárias e nada faça em três semanas, por força do dito critério estatístico, pode almejar ao desempenho de 100%.

Acresce que, nessas contas, a taxa de participação é aferida apenas e só pelos chamados votos nominais (votos por cartão electrónico). Esses votos não são sequer a maioria, nem correspondem necessariamente às matérias mais importantes. Frequentemente, há inúmeras emendas menores sujeitas a votação electrónica, enquanto que a votação global do respectivo diploma é feita por braço no ar. A medição assente no número de votos nominais pode distorcer por completo a participação real. Dou o meu exemplo: em 15 dias de plenário de 1 de Julho até hoje, faltei um só dia (dia 17 de Julho, por razões pessoais e íntimas, que imploro não ter de explicar, mas que explicarei caso mo peçam). Por força do critério, talvez porque nesse dia tenha havido muitos votos nominais, atribuem-me uma participação de 75%. Eis um caso claro de distorção.

4. Atende-se também às intervenções em plenário; esta rubrica inclui as intervenções orais em debates, mas também as simples declarações de voto escritas. Não contesto o critério, dado que, num hemiciclo de 751 deputados, o acesso à palavra é inevitavelmente condicionado e a declaração de voto é uma forma de prestação de contas. Mas só isso explica que alguns membros possam, ao fim do ano, contabilizar centenas ou milhares de intervenções que seriam (até) humanamente impossíveis. Atende-se ademais às perguntas feitas à Comissão; mas aí, na última campanha eleitoral, já houve quem percebesse que podem multiplicar-se apenas para criar uma ilusão estatística.

5. Verdadeiramente grave é que, no afã das classificações, se desvalorize a participação e o trabalho nas comissões parlamentares e nas delegações internacionais. Não apenas nos assuntos em que se é relator, relator-sombra ou até coordenador de um grupo político em comissão. Aí o volume de negociação e responsabilidade é evidente. É que há muita actividade desenvolvida sem nenhum título ou atribuição. Lembro-me, por exemplo, que os dois assuntos que mais me exigiram na legislatura anterior (a travagem da tentativa de redução de 4-5 deputados aos países médios e a criação da delegação para o Brasil) não ocasionaram nenhum momento “formal” ou “nominal” que pudesse ficar registado numa “avaliação”.

6. Ignora-se outrossim a actividade dos grupos parlamentares enquanto tal, que justificam uma semana própria. Para além dos grupos de trabalho e dos plenários, para quem faz parte da direcção do grupo, a cadência de reuniões é constante. Reuniões com a estrutura partidária europeia, com as delegações nacionais, com as restantes formações partidárias e com os grupos parlamentares nacionais. Trata-se de uma rotina de negociação permanente, deveras exigente ao nível técnico e ao nível político.

7. Para além de tudo isto, são muitos os deputados que mantêm uma agenda própria no Parlamento (ligada a um assunto do seu interesse: uma doença, uma região, uma causa humanitária) e mais ainda os que todos os fins de semana trazem a agenda europeia ao seu país em dezenas de realizações (em escolas, associações, colóquios, etc.).

Fica, no entanto, a promessa: I shall say this only once…   
 

SIM. Condecoração de Durão Barroso. O reconhecimento do valor e do serviço do Presidente da Comissão é um acto de justiça e de grandeza em tempos de mesquinhez e maledicência.

NÃO. Situação política espanhola. A crise catalã, os sucessivos escândalos políticos e o sucesso do populismo “bolivariano” do partido Podemos aproximam a Espanha da tempestade perfeita. Portugal não ficará imune.

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