Da governação das escolas – ver para além do passado

Tendo a escola de estar ao serviço da vida e das pessoas e das instituições locais, terá de adotar um modelo de governação que emane de uma democracia participativa onde todos tenham vez e voz.

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Comecei a “dar aulas” no célebre ano da “gestão democrática” instituída pelo Decreto-Lei n.º 769-A/76 de 23 de outubro e que começava com um preâmbulo “fantástico”:

“A escola sofreu nos últimos anos o efeito da descompressão da vida política nacional, o que, se levou a saudáveis atitudes de destruição de estruturas antigas, também fez ruir a disciplina indispensável para garantir o funcionamento de qualquer sistema educativo. Muito especialmente o vazio legal criado pelo não cumprimento do Decreto-Lei n.º 735-A/74, de 21 de Dezembro, que impunha a sua própria revisão até 31 de Agosto de 1975, provocou prejuízos incalculáveis.” E continuava:

“É tempo já de, colhendo da experiência com a necessária lucidez, separar a demagogia da democracia e lançar as bases de uma gestão que, para ser verdadeiramente democrática, exige a atribuição de responsabilidades aos docentes, discentes e pessoal não docente na comunidade escolar. (…)”

Este modelo de governação haveria de perdurar até 1998 [22 anos], quando entra em vigor o Decreto-lei 115-A/98, de 4 de maio [depois uma breve experimentação sem seguimento instituída pelo Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio] e que também se inicia com uma grande proclamação retórica:

“A autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação, com o objectivo de concretizar na vida da escola a democratização, a igualdade de oportunidades e a qualidade do serviço público de educação.”

E o modelo que ainda hoje temos inicia-se com o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril [16 anos de vigência] (com pequenas alterações posteriores) e, como é da praxe normativa, também proclama logo no início:

“As escolas são estabelecimentos aos quais está confiada uma missão de serviço público, que consiste em dotar todos e cada um dos cidadãos das competências e conhecimentos que lhes permitam explorar plenamente as suas capacidades, integrar-se activamente na sociedade e dar um contributo para a vida económica, social e cultural do país. É para responder a essa missão em condições de qualidade e equidade, da forma mais eficaz e eficiente possível, que deve organizar-se a governação das escolas.”

Uma análise de conteúdo do início de cada um destes decretos ocuparia todo o espaço deste artigo e não é esse o objetivo pretendido. Queremos iniciar a resposta a três perguntas fundamentais:

Que escola queremos? Que modelo de governação serve melhor as pessoas e os territórios? Como construímos uma direção democrática e uma gestão profissional?

Que escola queremos? Uma escola ao serviço da comunidade em que se inscreve e das pessoas concretas que a constituem? Uma escola que seja pertença da comunidade educativa que lhe confere vida, legitimidade e ação? Ou uma escola que seja um serviço local do Estado central, uma extensão do seu poder e domínio, que cumpre as orientações superiores e se sujeita ao seu controlo inspetivo, legitimada pela democracia representativa que nos governa? Ou ainda uma escola que seja dirigida e gerida pelos professores, valendo aqui o argumento técnico-burocrático de que deve gerir a escola quem detém o poder de especialista da pedagogia e da didática? As respostas a estas questões são estruturalmente ideológicas: no primeiro caso teremos uma visão sociocomunitária da educação, defendendo-se a ideia de que a escola é da comunidade educativa alargada e deve ser ela a instituir o seu modo de governo. No segundo caso, teremos uma visão de escola como uma repartição pública local controlada e dominada pelos poderes políticos e administrativos centrais. Se opção for a terceira resposta, a escola seria uma agência neocorporativa dominada tecnicamente pelos especialistas docentes.

E que modelo de governação serve melhor as pessoas e o território? A resposta também não é neutra ou inócua. Mas sustentamos a tese de que escola tendo de estar ao serviço da vida e das pessoas e das instituições locais, terá de adotar um modelo de governação que emane de uma democracia participativa onde todos os atores da comunidade têm de ter vez e voz.

E como construímos uma escola democrática, "eficaz” e inclusiva? Aprofundando e revendo alguns dos aspetos normativos do modelo em vigor [nomeadamente as competências de liderança de topo e intermédias] e recriando um conselho municipal de educação que precisa urgentemente de ser revisto nas suas competências e composição. E se fizermos esta alteração essencial, o próprio conselho geral das escolas poderia ser revisto e melhorado libertando as escolas de influências e manipulações indesejadas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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