Biblioteca Municipal de Oeiras: Entre silêncios e contos
A importância atribuída ao livro, à leitura e à literatura em Oeiras é tal que, durante a pandemia, a autarquia tornou-se promotora da produção literária, mas também de elo de ligação com os leitores.
No âmbito da promoção da cultura e da sua atuação nesse domínio, o município de Oeiras conduziu, entre abril e maio deste ano, um estudo destinado a ouvir a opinião dos munícipes a partir dos 15 anos. “O estudo teve um enfoque particular nas bibliotecas, comparando o Inquérito das Práticas Culturais dos Portugueses, um estudo realizado em 2020. E verificámos que Oeiras está com índices de leitura absolutamente incríveis”, introduz Gaspar Matos, diretor do Departamento de Artes, Cultura, Turismo e Património Histórico de Oeiras.
— E a razão desse sucesso é?
— A promoção. É um facto que o nosso concelho tem as pessoas mais qualificadas do território nacional, mas acredito que esta questão da leitura tem muito a ver com a dinâmica das bibliotecas, que é uma aposta política ininterrupta. Desde os anos 1990, independentemente do presidente em funções, houve sempre um investimento contínuo nas bibliotecas em várias vertentes. É muito importante ressaltar esta questão, o livro e a leitura são fundamentais para Oeiras. Há uma coisa que tem acontecido e da qual sou muito crítico em relação aos meus colegas, e que tem a ver com um slogan que agora muitos gostam de usar, que é ‘as bibliotecas não são espaços de silêncio’. Eu entendo o objetivo. O que se pretende afirmar é que a biblioteca é mais do que aquela perceção que as pessoas têm de que não há dinamismo ou barulho. Mas não se pode eliminar um preconceito com base numa mentira. E nós não podemos dizer que as bibliotecas não são espaços de silêncio, porque são efetivamente espaços de silêncio. E é bom que o sejam em determinados contextos. Esta biblioteca, e todas as bibliotecas de Oeiras, têm espaços de silêncio onde se pode ler e estudar.
— E o silêncio é cada vez mais um luxo…
— Precisamente! Eu faço a seguinte pergunta: atualmente, onde se encontra um espaço assim na sociedade? Não há, não existe um espaço social onde haja silêncio. Os estímulos estão por toda a parte. Quando nós dizemos que a biblioteca não é um espaço de silêncio porque queremos dizer que ela é outra coisa, isso está errado. Porque a biblioteca é, de facto, um espaço de silêncio, e isso creio que é valorizado e vai ser cada vez mais valorizado no futuro. Por outro lado, também é um espaço de convívio, onde a comunidade se encontra e acontecem outras atividades. A biblioteca pode ser tudo, claro que sim, e em Oeiras também é tudo, mas salvaguardamos muito esta questão do espaço reservado para o silêncio, para a concentração, para o trabalho. E eu entendo, por exemplo, realidades diferentes. Há bibliotecas no interior que são um dos poucos espaços culturais que as localidades têm, portanto, a biblioteca tem de ser tudo. Mas, quando falamos de bibliotecas em contextos urbanos, onde há muito mais oferta e centros culturais, eu acho que a biblioteca deve preservar um pouco o que é a sua identidade. E essa identidade pode parecer antiquada para alguns, mas para mim é um grande valor nos dias que correm.
Além da contínua aposta na cultura pelo poder local, esta área dispõe de orçamentos significativos que permitem a atualização constante da coleção. “Eu tenho ideia de que, neste momento, em Portugal, o investimento das bibliotecas na sua coleção não ultrapassa 20 cêntimos por habitante. Em Oeiras, é de 50 cêntimos. Isto faz com que, se chegar aqui e quiser determinado livro que esteja emprestado e haja já duas pessoas à espera, nós imediatamente compramos mais um ou dois exemplares. Isto faz com que a experiência seja semelhante à de uma livraria. E, além disso, temos quase mil atividades por ano”, explica o responsável, que tem consciência de que este não é o padrão em Portugal. “Claro que há bibliotecas, e são muitas, que começam a apostar noutras atividades porque não têm dinheiro para atualizar as suas coleções. Não há comparação, e é pena, pois o que acontece aqui em Oeiras é a exceção: um oeirense lê, em média, sete livros por ano, o que quer dizer que há oeirenses que leem dez ou 15.”
As atividades vão desde a oferta não curricular nas escolas (programa Oeiras Educa) à infoliteracia: “Nós temos sessões de capacitação informática em turnos. A pessoa diz qual é a sua dúvida, marca uma hora e vai ter alguém que lhe vai explicar como é que mete o IRS, como é que consulta o Diário da República ou como é que abre uma conta de e-mail, entre outras coisas.”
A importância atribuída ao livro, à leitura e à literatura em Oeiras é tal que, durante a pandemia, a autarquia tornou-se promotora da produção literária. “A 25 de abril de 2021, quando a biblioteca fez 25 anos nesta localização, convidámos 25 escritores (foram 26 porque a Ana Maria Magalhães e a Isabel Alçada escreveram em conjunto) para, com total liberdade criativa, escreverem sobre bibliotecas.”
O resultado chama-se Bibliotecas: Narrativas e foi a sugestão de Gaspar Matos para esta Road Trip Literária, mais concretamente o texto intitulado “A Biblioteca era eu a crescer”, da autoria de José Luís Peixoto, munícipe de Oeiras. O autor traça e descreve uma cronologia da sua relação com a biblioteca, desde a infância até o início da idade adulta. Deixo uma compilação desses momentos:
“A biblioteca era um armário com duas estantes. O armário tinha portas de vidro e, por isso, conseguíamos ver as lombadas, ficávamos a observá-las longamente, decorávamos muitos dos títulos, quase todos. (…) A maioria desses livros eram antigos, muito mais velhos do que nós, contribuíam para a ideia de que o conhecimento pertencia aos nossos pais e avós ou, com muita probabilidade, aos pais e avós deles.”
“A biblioteca era uma carrinha Citroën cinzenta. Nas prateleiras mais baixas, estavam os livros para as crianças mais pequenas. A idade dos leitores aumentava de acordo com a altura das prateleiras. Na biblioteca itinerante da Calouste Gulbenkian, a maior lição que aprendi foi estender o braço sempre que um livro me chamava a atenção. Para mim, os títulos eram como perguntas: depois de ler essas palavras, precisava de segurar no livro e folheá-lo. Pela primeira vez, tinha essa liberdade. O doutor Dinis, não se importava que tirássemos os livros das prateleiras, desde que respeitássemos a delicadeza do cartonado.”
“A biblioteca era o antigo edifício da Câmara Municipal, à entrada de Ponte de Sor. Passava tardes inteiras sozinho nessas salas. Agora, recordo-as iluminadas, como se fosse sempre Primavera em todo esse passado. Não havia nenhum outro lugar onde quisesse estar durante as minhas tardes livres. Eu andava no décimo, décimo primeiro e décimo segundo ano, sentia-me adulto. Eu falava com os livros e eles falavam comigo. Os livros eram como pessoas, mas mais reais do que quase todas as pessoas.”
“A biblioteca era uma porta coberta por papéis colados com fita-cola. Essa porta ficava ao fundo de um corredor da escola secundária e, depois, da faculdade. Agora, não distingo uma da outra, embora eu fosse pessoas diferentes em cada uma delas. Em ambas, abria cadernos de páginas sublinhadas por marcadores de tinta fluorescente e espalhava fotocópias em mesas gastas de escritório. Eu tinha a impressão de que todos os livros dessas bibliotecas eram enciclopédias.”
Durante a pandemia, a Biblioteca Municipal de Oeiras pôs em marcha os Contos ao Telefone, uma iniciativa que Gaspar Matos recorda sem disfarçar a emoção: “Era uma coisa muito naïf e que depois outras bibliotecas também adotaram. Nós fazemos formação em narração oral e, com o tempo, fomos criando uma bolsa de contadores voluntários. Em conjunto com os técnicos da biblioteca, oferecemo-nos para, por videochamada ou apenas por voz, contar uma história a uma criança. Ou seja, os pais ligavam para cá e nós contávamos uma história de viva-voz ao telefone. Naquela altura, os miúdos estavam muito isolados, muito sozinhos, e pronto, contávamos uma história ao telefone. E depois ocorreu uma coisa absolutamente incrível: começámos a ter pedidos para contarmos histórias a adultos que tinham saído dos centros urbanos para casas que possuíam no interior do país e que estavam sozinhos. E eram os filhos que nos ligavam e nos pediam para ligarmos às pessoas para lhes contar uma história. E fizemo-lo.”
Os silêncios nas bibliotecas estão carregados de significados, raciocínios e histórias que nos convidam a refletir, nos emocionam e ajudam a compreender melhor o mundo e a estabelecer laços entre as pessoas.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990