A pedalar se vai ao longe: portugueses que exploram o mundo em bicicleta
Começaram a pedalar aos oito anos ou aos 50. Sabem quando vão, mas não quando voltam. Viajam na índia ou em Soajo, na Jordânia ou no Planalto Mirandês. Escrevem, desenham, escalam, vivem.
A pedalar se vai ao longe, dizem — e praticam — eles. São portugueses, já atravessaram o país e já cruzaram continentes, estão habituados aos alforges bem medidos e à hospitalidade das pessoas que lhes servem warm showers mais ou menos oficiais. Viajam sozinhos e em grupo, rolam no alcatrão, na gravilha ou na areia do deserto. "A bicicleta levou-me a lugares do mundo que eu sonhava conhecer", resume à Fugas Tânia Muxima, uma das primeiras exploradoras a servir de inspiração a outros aventureiros. "A velocidade a que pedalo aproxima-me das pessoas. Até no dia-a-dia é a bicicleta que me leva às simples coisas da vida como ir beber um café na marina com os meus amigos ou assistir ao pôr-do-sol."
Sinai Fonseca
Aos 18 anos pedalou mais de dois mil quilómetros a solo
Pedalar Devagar – Quatro anos de bicicleta pela Ásia. O livro relata a aventura de João Fonseca e Valérie Rochat que entre 1996 e 2000 fizeram quase 40 mil quilómetros de bicicleta e que, 14 anos depois, agarraram nos dois filhos (oito e dez anos) e pedalaram 21 meses pelas Américas. É inevitável mencionar esta história para contar a de Sinai Fonseca, o mais novo do quarteto que aos 18 anos já tem a primeira aventura a solo para recordar.
Natural de Zurique, onde viveu até aos oito anos, Sinai continua a voltar com regularidade. Desta última vez, concluído o secundário, o pai deu uma ideia: "Porque é que não vais de bicicleta em vez de ir de avião?" Pode mesmo dizer-se que o seu ano sabático começou a 12 de Agosto, dia em que saiu de Estremoz a caminho da Suíça. "Usei a bicicleta que o meu pai usou", conta à Fugas Sinai, especialista em BTT, downhill e saltos, com um plano de fazer uma média de cem quilómetros por dia. "E fiz-me à estrada." No primeiro dia, foi visitar uma tia a Castelo Branco. Fez 135 quilómetros "sem bagagem" — porque os pais fizeram o mesmo trajecto de carro —, suficiente para perceber que a bicla ("corrente a saltar" e "pneu ressequido", entre outras afinações) precisava de uma revisão. E ao terceiro dia, alforges com "fogareiro, tenda, saco-cama, panelinha e tudo", começava a travessia diagonal de Espanha bastante "solitária". "Ninguém me convidou para acampar no jardim", recorda Sinai, que, aquém e além, ia ligando aos pais a pedir conselhos. Dormiu sempre na tenda e sempre em modo selvagem. Pelo menos até atravessar a fronteira seguinte. França foi um país mais simpático. Cozinhou e comeu à mesa com anfitriões, teve direito a uma ou outra cama, arranjou sempre local seguro para a tenda e tomou vários pequenos-almoços em família. Não faltaram warm showers e hospitalidade — e cães a ladrar uma noite inteira e chuva a cair o dia inteiro.
Missão cumprida a 5 de Setembro, 2150 quilómetros depois. "A sensação de partir de manhã e de não saber onde ia dormir... adorei!" Desde que chegou a Portugal, Sinai já trabalhou nas vindimas ("mal pago, mas muito vinho", sorri) e numa empresa de electricidade. Em Janeiro vai explorar a Índia de mochila às costas com o pai e pretende seguir viagem pelo Sudeste Asiático. "Estou mesmo tentado a dar essa volta de bicicleta."
Ana Batalha
Bikepacking "de mulheres para mulheres"
"O ciclismo de aventura também é para mulheres". Vai daí e Ana Batalha e Diana Neves criaram o projecto Women's Bikepacking, "de mulheres para mulheres" de forma a criar comunidade e "incentivar mulheres a alinhar nestas aventuras".
Natural de Mafra, Ana exerceu pouco na área em que se formou (Arquitectura) e começou a usar a bicicleta para deslocações casa-trabalho-casa enquanto emigrante na Suíça. "Quando vivemos próximos dos Alpes... ficamos maravilhados", conta. E foi por aí que ganhou contacto com pessoas que atravessam países e continentes a pedalar. À viagem Praga-Budapeste seguiram-se grandes e pequenas aventuras até 2024, ano de Komoot Women's Badlands Rally, cerca de 700 quilómetros de Granada a Almería, de mais 350 quilómetros pelas Astúrias, do Loop Gerês/Xurés na companhia do grupo de Diogo Tavares (Vadiagem Outdoors) e de uma travessia circular pelo Alto Minho, com início e fim em Soajo e três serras pelo meio (Soajo, Peneda e Arga).
Muito pouco competitiva e sem máquina de calcular ("não sou muito de contar quilómetros"), Ana Batalha prefere destacar as primeiras experiências de fim-de-semana com outras mulheres. Organizaram uma viagem piloto na Serra de Sintra e para os dias 21 e 22 de Dezembro está marcada uma aventura na Arrábida. Por todas as razões e mais algumas, o projecto Women's Bikepacking merecerá atenção redobrada em 2025. Ana, que tem no calendário o Veneto Trail, estará quase sempre por perto.
Diogo Tavares
A vadiar pelo Planalto Mirandês
A última vez que soubemos dele, ia passar do ano de 2024 para 2025 "com o rabo no selim" na Jordânia, mais de 450 quilómetros de trilhos de terra e de estradas pouco óbvias desde as ruínas de Decápolis de Umm Qais até às águas do Mar Vermelho, em Aqaba. Líder de viagens pela Landescape e fundador do projecto Vadiagem Outdoors, Diogo Tavares tem a agenda cheia de aventuras e muitas delas em duas rodas.
Vale a pena sublinhar a estreia em Maio do trilho Ala Planalto, projecto de turismo regenerativo de interpretação dos meios naturais, culturais e históricos do Planalto Mirandês e Douro Internacional cujo principal objectivo passa por promover a "utilização de meios sem impacto de carbono a quem procura aventura e abraçar a arte de viajar devagar e explorar os recantos esquecidos do país com a vontade do corpo". Para além disso, Diogo quer fazer do Loop Gerês/Xurés (em Julho) uma tradição, aventura de bikepacking pelas terras altas do maciço montanhoso do Parque Nacional Peneda-Gerês que terminará, como costume, em plena festa do Soajo Outdoor Festival.
José Pascoal
De Leça (quase) até à China
De bicicleta, entre Leça da Palmeira e a China. Foi com este mote que no dia 13 de Janeiro de 2024 José Pascoal, aproveitando uma licença sem vencimento, decidiu passar 345 dias a pedalar, desde casa até à China. "Ao fim de 51 anos de vida, é a primeira vez que faço algo do género", conta à Fugas. "E em boa hora o fiz, pois estava longe de imaginar que a bicicleta pudesse atrair tantos curiosos e com isso iniciar conversas e amizades", conta José, que infelizmente, no dia 13 de Dezembro, já na recta final, foi abalroado por um carro e fracturou a clavícula direita.
Completou mais de 15 mil quilómetros a pedalar. Faltavam cerca de dois mil para a sua meta. Prossegue a viagem em transportes públicos, mas não abandonou a sua Albarda, a sua "bicicleta verde, em todos os sentidos" — ficou em Udon Thani, na Tailândia, onde será embalada de volta para Portugal. A sua mensagem no final de 2024 é simples: "Por cada dia das nossas vidas, conseguimos fazer cada vez mais, mas com um impacto cada vez maior no planeta. Do dinheiro que despendemos para andar nesta constante aceleração, quase nada se destina à protecção e conservação do planeta. O nosso ritmo ultrapassou o da terra, que vai continuando a alertar-nos, mas fingimos nem reparar."
Deixou um diário de bordo, mas nos seus relatos estará sempre o Médio Oriente e principalmente os países "que nos vendem como perigosos", como o Irão ou o Paquistão, aqueles onde melhor foi recebido e onde recebeu uma "lição de generosidade". Depois de quase meia volta ao planeta, pretende regressar a casa, ao trabalho e à "energia eléctrica". Pretende escrever um livro, no qual "as pessoas e a natureza serão os protagonistas" e juntar-se ao grupo dos que assumem o compromisso de cuidar do planeta, começando por "tornar hábito as coisas simples".
Francisco França
22 anos e 20 mil quilómetros
Partiu de Lisboa a 19 de Fevereiro de 2024 e quer "continuar isto" até chegar a Maputo, a meados de Maio de 2025. "Isto" é uma grande aventura de bicicleta que já levou Francisco França, 22 anos, através de catorze países africanos e cerca de onze mil quilómetros — e ainda falta República Democrática do Congo, Angola, Namíbia, Botswana e Zimbabwe antes de Moçambique.
Recém-licenciado em Psicologia, Francisco, natural de São João de Talha, queria viajar antes de entrar na roda do rato e queria faze-lo "devagar", sem pressas. E porque não a pedalar como daquela vez ao longo da EN2, tenda e saco cama nos alforges, acampamento onde fosse bem-vindo? "O fim de muitas coisas. O início de muitas coisas", escreveu no blogue, na segunda-feira, a 19 de Fevereiro, dormira pouco. Tomou banho, comeu uma grande fatia de bolo de chocolate, receita da mãe, e bebeu café com leite antes de fechar os alforges e de se despedir dos pais. Foi "o mais difícil". "É sempre complicado despedirmo-nos de quem mais gostamos e de quem gosta de nós." A ideia é muito simples: pedalar até Moçambique. "Ver o que nunca vi, poder contar aquilo que nunca ouvi."
Mara Mures
"Curtia estar mais um ano a viajar"
"Não há plano para voltar, para já." Soa a repetida a frase, mas tem dias esta resposta de Mara Mures igualzinha à que deu à Fugas em Janeiro de 2023, andava a pedalar pela América do Sul há dez mil quilómetros e ainda sem planos de voltar a Bajouca, Leiria. "A ideia é voltar a casa um dia", sorria.
Dessa vez, Mara acabou por pedalar durante 18 meses, cerca de 17 mil quilómetros. Lançou o livro de cadernos com os seus desenhos e apontamentos on the road e lançou-se rapidamente para nova aventura, que lhe ocupou o ano de 2024 e, aponta, o próximo. Portugal, Espanha, Andorra, França, Suíça, Liechtenstein, Áustria, Itália, Eslovénia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Albânia, Kosovo, Macedónia do Norte, Grécia, Turquia, Geórgia, Arménia, Irão, Paquistão e índia, onde ainda está e onde pretende passar o ano.
Poderá repetir mais frases (tipo "foi um ano incrível" ou "acontecem tantas coisas em tão pouco tempo"), mas as aventuras são sempre diferentes entre escaladas, encontros imediatos, trabalhos de circunstância e muitos desenhos de refeições, monumentos e paisagens marcantes. Depois da Índia, a ideia é viajar no Bangladesh, Nepal, Paquistão, China e restante sudoeste asiático até à Indonésia. "Tentar arranjar um barco até Austrália e pedalar a parte este da Austrália até à Tasmânia", conta à Fugas. "Curtia estar mais um ano a viajar. É mais ou menos isto, mas pode mudar." Palavra de Mara Mures.
Ricardo Batista
Se pedalar, beba vinho
Pedalar, conviver e... beber. Este seria o resumo resumido da DuVine, empresa internacional de ciclismo e aventura que oferece aos seus clientes experiências de viagem com foco nos detalhes, na hospitalidade dos locais, nas refeições familiares e nas paisagens vitivinícolas. Ricardo Batista é um dos guias em Portugal, onde, de Março a Novembro, a DuVine apresenta quatro tours (Douro, Alentejo, Algarve e Açores). De domingo a sexta, os grupos de clientes (maioritariamente americanos e canadianos) pedala em rotas pré-definidas e pernoitam em hotéis de cinco estrelas, usufruindo não só da experiência do líder, como também de manutenção diárias das bicicletas e de um carro de apoio. "Estava longe de imaginar que seria guia de bicicleta", confessa à Fugas Ricardo, que apresentou a candidatura ao lugar, fez formação em França e já vai para a sua quarta temporada em funções. "Aos 44 anos descobri uma cena que me dá mesmo gozo."
Natural de Pombal e com formação em Engenharia Electrotécnica, Ricardo Batista associa a sua primeira bicicleta aos 16 anos e ao campeonato regional de BTT. Não perdeu o "bichinho" e, há 18 anos, voltou a pedalar "por razões de saúde". Costuma dizer que não gosta de "fazer corridas", que prefere "apreciar" o que passa à sua volta. Daí ao bikepacking tudo aconteceu com naturalidade. Defende "viagens com calma e sem pressa", "mais ou menos organizadas, mas com flexibilidade". Quando não está a trabalhar, também pedala — "sinto falta de andar na minha bicicleta". No Verão passado, foi com três amigos dar uma volta ao Norte de Espanha (Rioja). Pretende passar os últimos dias de 2024 e os primeiros de 2025 a seguir Diogo Tavares através da Jordânia.
Luís Simões e Anisa Subekti
Uma volta ao mundo — e outra a Portugal
Depois de uma volta ao mundo a desenhar, Luís Simões e Anisa Subekti desenharam Portugal em bicicleta. Portugal Bike & Sketch é o diário de bordo de cinco mil quilómetros divididos em 21 itinerários, cheios de esboços e pedaladas. "O livro destina-se aos amantes do desenho e das viagens lentas, independentemente da idade, que gostam de actividades ao ar livre, sejam elas em duas rodas ou a pé", resume Luís Simões, que continua a fazer a sua vida ("para tudo") numa bicicleta. "Mesmo que seja visitar os meus pais, que estão a dez quilómetros de distância", diz à Fugas Luís, que nos últimos anos vê Portugal "mais preocupado" com o cicloturismo e tudo o que isso acarreta.
Se é verdade que "a bicicleta rouba imenso tempo" aos desenhos, também sabe que lhe permite "viajar em liberdade" e à sua velocidade. Foi precisamente o encontro imediato do português com a indonésia que fez com que Luís Simões levasse as viagens de bicicleta mais a sério. "Pensei que seria uma boa parceria", sorri enquanto recua uma década. Juntos, fizeram mais de 12 mil quilómetros na América do Sul e passaram mais de seis meses a pedalar em África para aproveitarem a pausa de 2021/22 ("estávamos cansados de estar fechados") e darem uma volta a Portugal em bicicleta. "Fizemos tudo e mais alguma coisa", conta hoje, com viagem marcada para a Indonésia e Filipinas, países onde brevemente orientará grupos da Nomad — já tem com a agência de viagens o compromisso de levar pessoas a desenhar Istambul, em Maio.